sexta-feira, setembro 23, 2005

Radical - um processo químico que nos torna obsessivo ou livre.

Lembro muito bem dos tempos de escola. Os radicais livres das aulas de química e os alunos dando aquela sacaneada: "eu sou um radical livre. e eu sou um radical doido."
Na época o jogo de palavras era muito interessante. Cada nome, cada partícula, cada expressão inventada tinha sentido volátil. Outras idéias, de tão boas, permanecem até hoje. Os apelidos e a lembrança do dia em que duas turmas completas do segundo ano do ensino médio mataram aula no parque para ver o eclipse solar, uma raridade que motivou amigos e inimigos a se juntarem em prol de uma verdade momentânea. Uma verdade.
Estava ao telefone conversando com o Quim e, de repente, soltei que eu achava uma música muito boa, porém a letra ruim. Fui chamado de radical. Pensei, concordei com o Quim. Por que do meu radicalismo com tal música? Hoje tenho a resposta. A música é como o radical livre. Ela se associa. Ela surge do acaso microscópico, das vibrações que se misturam no ar, da humidade. A música é uma tentativa pessoal de expressão e pode ser boa ou não, diferente, ousada e intimista. Fazer uma música pelo sucesso pode ser parte da viagem e geralmente é essa que toca o subconsciente popular nos aspectos ruins dos radicais livres. Em uma banda uma música tem que tocar a alma de quem não a compôs. Tem que gerar aquela pulga xexelenta atrás da orelha que instiga "putz, esta música também é minha" e brilhar na escuridão de nossa mediocridade. OLha, eu amo tantas músicas que a lista seria infinita. Músicas radicais, em todos os sentidos. Lembrei de Frank Zappa e talvez o Quim ainda não tenha ouvido este tipo de radicalismo ou mesmo um disco do cara, talvez só o seu nome.
Um radical também sofre pois geralmente se sente confundido ou mal interpretado pela sorte das pessoas que orbitam sua vida. Sua opinião é tida como pouco espiritual, impensada e a estrutura da loucura medida pela intensidade com que defende suas idéias, atroz. Até o tom de sua voz interfere na digestão de um pensamento racional. Mas a busca pelo equilíbrio não é uma faceta do homem. É parte do mecanismo natural que dimensiona quanta loucura pode existir no meio de tanta caretice entre os seres vivos. Gorilas, abelhas, grilos, gatos, amebas, um rotovírus e você.
Nutro muita simpatia pelas idéias que rompem com a normalidade do cotidiano. Dizer CU ou foda-se quando dá vontade. Ou não dizer nada no meio de um temporal, ficar sem dizer nada para a pessoa amada (quem mais entenderia o silêncio?), tocar as cordas do violão as duas horas da manhã. Fumar charutos todos os dias sem ser incomodado e apreciar o sucesso alheio. Só não entendo emails pois considero tudo o que há neles supérfluo e inócuo até porque quem passa muito tempo lendo e escrevendo emails acaba se deparando com as aberrações da língua portuguesa escrita verborragicamente, as distorções do uso comum da palavra.
Um radical obssessivo já pode ser problemático. Ele não respeita as diferenças e tende a agredir seu ambiente com facetas naturais da humanidade. Faz coisas para mudar a atenção do senso comum, conflita o sim e o não através da divergência crônica dos laços pessoais e ganha, geralmente ganha, pela exaustão de seus gritos. Não conheci Buda, mas acho que quando criança todo mundo é meio assim. Ter uma obssessão na vida faz parte do pacote sistêmico do capitalismo, do individualismo e do materialismo. Tantos "ismos" amparam os reflexos da mente radical do descrente que propiciam terreno fértil para os manipuladores de opiniões e geram força quase nuclear para interromper o bem e fazer prevalecer a dissimulação do bem e do mal.
O verdadeiro radical está além de tudo isso.