domingo, outubro 09, 2005

A esfera, o globo ocular - o ouvido, a personalidade

Tem uns meses já que eu me propus a escrever tudo aquilo que me vem à cabeça. E se engana quem pensa que eu só escrevo para a internet. Já tenho o hábito de guardar algumas memórias ou escrever ensaios e críticas pela internet desde o colegial. Eu, meus irmãos e o Jorge, um amigo de Brasília, criamos em 1993 junto com um grupo de alunos do Leonardo da Vinci, escola de renome na capital, o movimento Babaísta para fins literários, musicais, esculturais e de análise do cotidiano. Muitos anos depois, já na faculdade de história, foi que eu vi que a "história do cotidiano" estava abrindo suas janelas para a vida acadêmica depois de tantos anos de fatos, fatos e datas, datas.
O movimento babaísta tinha muitas cabeças pois partia do princípio moderno de que alguns temas eram especiais, vinham de nossa própria experiência e do surrealismo do imaginário que existia em cada pessoa que curtia rock inteligente, música clássica, quadrinhos europeus, Rush, fotografia, tatuagens, o sol, os eclipses lunares e a própria juventude. Um dos caras mais atuantes se chamava Alexandre, mais conhecido como Tampinha.
O Tampinha tinha a qualidade rara de juntar as pessoas certas no seu corcel II e distribuia rebeldia verbal e solavancos sexuais junto com suas camisetas cortadas e seu conhecimento da alma humana. O Tampinha sabia dizer coisas antes delas serem pensadas por professores. As vezes ultrapassava o limite do silêncio entre o som do giz da professora com seu grito seminal. O grito seminal convocava a todos para mais uma reunião babaísta nos intervalos ou no final da aula.
As reuniões babaístas era bastante rápidas. A meta era que cada integrante escrevesse o máximo de absurdos estéticos possíveis em forma de prosa ou poesia. Podia ser um desenho também. Os trabalhos seriam reunidos e colocados nos murais da escola para que todos tivessem acesso aos trabalhos. Geralmente o tema era criticar algo extremamente comum ou rotineiro e fazer do tema uma espécie de fuga do normal para os detalhes extravagantes das curvas. Da escatologia aos sapos, do amor perdido aos discursos veementes sobre a inexistência da girafa, matando uma aula ou outra por causa de um fenômeno natural, tudo girava em torno da compreenssão do que éramos como jovens alunos e filhos e do que poderíamos dividir entre os colegas, nossa alma.
Kanéforas, o homem que veio dos canos, filósofo babaísta que inspirava nossas ambições deve ter sido um dos primeiros a ter seus relatos publicados na internet. Eu mesmo fiz a primeira e única página babaísta na internet em 1996 com poesias minhas, do Breno e do Jorge contendo citações filosóficas sobre cinema, filosofia e música babaístas. Os babaístas, depois do colegial, se tornaram "as veias de seus próprios canos" e cada um foi estudar ou trabalhar em alguma parte do Brasil. Até que se perdeu o babaísmo em mim e eu me esqueci de como eu era...
...o exercício das palavras é pior do que a musculação. Pesos materiais, à medida em que você vai adaptando as técnicas de suporte de peso e massa muscular às suas, são medidas exatas amparadas pela gravidade. Nas palavras o peso é subliminar, depende exatamente do conhecimento da palavra, do seu sentido figurado e real, do seu estado de espírito com relação ao tempo presente e de repertório. As vezes meia palavra pode servir. As vezes nem meia palavra basta. Os pesos sempre terão utilidade enquanto existir papel.
De tanto escrever nesses meses acabei colecionando algumas palavras distantes que me fascinam até o osso, busquei detalhar os sentimentos que estão no ar implorando para serem revelados. Uma palavra desperta e agradece quando utilizada. O homem já não tem este talento. O homem curte o lance do ego. Ego é uma palavra. Apenas uma palavra a mais em nosso dicionário.