terça-feira, agosto 01, 2006

Extemporâneas N#5 - Cana de açúcar, cerveja - turnê desbravando o nordeste em meus olhos

Meus olhos já não tinham mais lágrimas pois o sol, os primeiros raios de sol das Américas, na Barra do Seixas, João Pessoa, Paraíba, 2006, secou minhas ilusões visuais, meu suor alcoólico era apenas o rubor que refletia a luz do sol no mar. Ali eu realizava o sonho pela metade. O sonho de ir assistir, ver e olhar, enxergar os primeiros raios de sol que energizam nosso país. Um país que, em minhas rasgadas reflexões, está opulento, no sentido opu"LENTO", e miserável, desigual, tão desigual e burocrático, arcaico, aristocrático, latifundiário, tão real que está nos livros de história, está na televisão quase todos os dias, está em meu dia-a-dia no interior de São Paulo; tão em nós que paramos de assistir ao espetáculo do colonialismo que se abraça em nossos pescoços desde sempre, se o sempre tivesse começado em meados de 1500. Sempre! Minha mulher as vezes me toma por duro, um coração duro que já não consegue verter lágrimas. Mesmo as lágrimas doces de alegria e paixão secaram com as amargas. O fogo dentro de minhas idéias, o vulcão derramando lava todos os dias em meus pés só podia evaporar as mais profundas amarguras que eu jamais poderei chorar. Isso é lindo, mas é deveras irônico.
De São Paulo à Paraíba o que eu vi foi muita cana de açúcar plantada. Como estou envolvido com estudos sociológicos, estudando Gilberto Freyre, mesmo sabendo que ele não estava totalmente certo, me coloco no papel marxista de pensador e penso... vejo com meus olhos a mesma realidade que ele via com os dele. A mesma realidade que escravos africanos viam com os olhos deles na capitania de Pernambuco. Que os bandeirantes e emboabas abandonaram, eles viram quando rumavam para as Minas no sertão. Muita cana de açúcar pra fazer alcóol pra abastecer carros FlexPower para que? Para deixar muita gente sem ter onde cair morta. Para valorizar os espaços urbanos, que valorizam muito a segurança?, que valorizam a saúde?, que valorizam a qualidade de vida? Li a revista Veja da Semana passada com horror. O sr italiano presidente da G&E, uma das coorporações que dominam sistematicamente a economia mundial, disse que o Brasil vai bem porque planta cana, soja e que as exportações da agroindústria são essenciais para o mundo. E que eles tomariam conta de fazer remédios, desenvolver espaçonaves, carros do futuro e outras coisas que vemos nos filmes de ficção científica. Fiquei triste com a opção que ele nos legou: fornecedores de matéria-prima. Assim, nunca teremos uma chance real na participação do crescimento de uma realidade, pro Brasil, de igualdade social.
Quando estive em Aracaju pude ver o orgulho dos sergipanos: a maior orla do Nordeste. R$80 milhões! O taxista falava normalmente que aquilo ali era uma roubalheira só. As menores prostitutas não estavam nas esquinas ali perto pois chovia. Não via naquela obra a mesma coisa que vi quando cheguei por lá. Um povo educado, solícito, bonito. Com aquele tempero no sotaque, coisa bastante peculiar no país como um todo, sob o geral falamos a mesma linguagem. O Tequila Bar, local onde tocamos, era muito bonito com seu acabamento mexicano em mosaicos, com uma área que se recheou de 900 pessoas para curtir um reggae em uma quinta-feira chuvosa. Mas que nada. O frio de 23 graus celsius de lá não é como se pensa. É um desaforo da natureza mesmo! Mas assim, com muito axé fizemos um belo show em Aracaju. A minha certeza se confirmou: é só dançar Maskavo juntinho que dá pé! E como no Nordeste o que pega é forró e forró com reggae é quase a mesma coisa, a batida one drop, o bumbo no ritmo do coração, bum puru bum bum. O clima foi de primeira qualidade e a surpresa superou à cana. O povo sabia cantar canções do disco O Som que vem da Luz do Sol. Alegria, alegria, alegria.
Em Maceió, no Maikaii, a surpresa se tornou um êxito antecipado de orgulho e sorriso. todos os ingressos para o show haviam esgotado desde o meio-dia. Quando chegamos de micro-ônibus lá já era mais do que isso. Fomos comer peixe e tomar suco de cajá, ouvir Roupa Nova no dvd e rir da nossa própria fortuna. Bucho cheio e sem chuva na cabeça. Maceió foi a terra onde tinha mais mulher bonita que eu já vi na vida. Apesar do palco pequeno, dava pra sentir a vibração do lugar. As meninas todas dançando, quando melhor com seus pares, e todo mundo cantava "a la la u ê", "te ver passar é viver mais feliz...", "ficar esperando, a permissão do seu amor..." foi lindo. A mesma surpresa se cobria com as imagens infinitas de canaviais pela estrada que liga Aracaju a Maceió. Quase 300Km de cana na beira da estrada. A festa em Maceió terminou assim que nosso show acabou e eu ouvi um grupo de mulher reclamar que o cheiro de calcinha estava enorme naquele lugar. Outro problema a se discutir em breve.
Chegamos em Recife naquele microônibus recém-lanternado, sem pintura, no mais chique hotel da praia de Boa Viagem, aquela mesma da canção do Alceu Valença, hoje o reduto de tubarões que atacam banhistas não desavisados. Há placas com alertas sobre ataques de tubarões por todos os lados. Isso é meio triste de ver. Silêncio.

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