segunda-feira, setembro 11, 2006

Questão de classe

Estou bastante incomodado com o uso excessivo da palavra POBRE em tudo o que se relaciona à eleição. Estou cansado que os jornalistas examinem de seus escritórios, de seus notebooks, o que representa a palavra pobreza quando lida e relida diariamente. Causa repúdio. Um descenso, uma gota. De que adianta escrever sobre ela todos os dias, de conceituar o cotidiano do brasileiro, defini-lo simplesmente como, menos do que uma classe, julgar ser o pobre o inverso do rico. Isso é um insulto que vem da direita para a esquerda. Ficou tão sem conteúdo, tão futilizada a palavra pobre que, não só sendo o patrimônio, o último sopro de vida de Regina Casé, é a caravana do mais boy apresentador e poeta do BBB, Pedro Bial, o pobre virou a cara de quem mesmo?
Toda vez que penso em pobreza uma pessoa vai e mexe no meu lixo. Todo os dias é assim. Incomoda olhá-la lá buscando algo para vender. Algo que esteja misturado às fezes da minha gata, às fraldas do meu filho, às embalagens de papelão. Eu aviso, explico sobre toxoplasmose. Mas a pobreza, a verdadeira pobreza humana me responde, tudo bem, dotô, é o risco. É o risco mesmo, minha velha senhora, minha jovem mãe de três filhos todos subnutridos e sujos, meu bom senhor. Um dia desses um jovem como eu, assim como eu mesmo, me pediu dinheiro pra ir a APAE cuidar de seu filho recém nascido, assim como o meu filho, e eu tinha 5, 20, 50, mas não tinha 1 ou 2 reais. Bem, pensei no meu filho e imediatamente dei os 5 dizendo SUMA DAQUI QUE ME DÓI SABER QUE VOCÊ EXISTE, SENHOR. Ele foi embora sem me olhar nos olhos nenhuma vez. Sua voz cortava até papel... era muito triste ele ter que ir a APAE às 23h enquanto minha mulher dava de mamar ao nosso bebê que, de tão saudável, impressiona. Fiquei triste pela falta de sorte daquele jovem senhor, assim como eu. No outro dia tive que ir à rodoviária, ossos do meu ofício, e 2Km de distância da minha casa vejo uma enorme placa desbotada, devia estar ali a tempos, escrita em azul escuro APAE...
Por isso que quando eu leio sobre o pobre eu odeio o jornalismo. Está claro que ninguém tem propósito quanto a isso. Está na nossa cara. Está impresso como ferro quente em carne bovina no peito de todo mundo a vergonha que é ter de conviver com isso. Qual proposta seria melhor do que acabar de vez com o que nos incomoda? Quem está ganhando algo com a palavra POBRE estampada em camisetas, bonés, no blog do Josias. Eu não tenho salário, carteira assinada, previdência, seguro de saúde ou vida. Mesmo assim minha ex-empregada queria me processar depois de um mês de trabalho onde ela recusou todos os direitos de trabalho quando recusou ter sua carteira assinada. RECUSOU, pode? E não cumpria a única ordem que eu dei explicitamente à ela: o horário de saída. Isso é que é pobreza. Eu não me engano com o que estão dizendo por aí. Ouço e leio o que quero, penso o que quero e não digo pra ninguém se sou isso ou aquilo. Mas me incomoda o descaso. Se ser pobre é como fazer parte de uma classe, assim como tem sido reportado nos jornais por aí, ser rico virou uma grande miragem, uma classe que é uma miríade de confusões onde a felicidade pode ser a desonestidade ou a frustração porque a verdadeira riqueza é ter saúde, uma pessoa amada, filhos e rodeado de coisas boas, necessárias. Em Brasília tem mais gente rica e sofredora do que pobres infelizes, pode ter certeza. Eu sou de lá, mas sou feliz no interior de São Paulo. Sou um pobre jovem rico pai de família, sacou? Isso não é uma questão de classe, ser pobre ou rico, isso é uma questão de falta de classe, de delicadeza mesmo. Silêncio.

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