segunda-feira, março 26, 2007

É IMPORTANTE TER OS PÉS NO CHÃO

O Zé Pessoa olhava atentamente o quebradinho do azulejo do banheiro. Por entre suas pernas, sentado nas cabeluras do nordeste, cagando infinitamente aquele quebradinho ali era uma chateação. Quem tinha quebrado o azulejo novinho do banheiro? Até por que, era a primeira casa com banheiro do Zé. Era a primeira casa com telefone do Zé. Por entre suas pernas o Zé recordava a primeira visão de sua infância: a casa de barro de sua avó toda carcomida pelo tempo. Mas ela dizia feliz que morria onde tinha enterrado seu saco de dinheiro, e no caso do Zé, o saco era um depósito na caixa econômica financiado por muitos anos. o saco estaria ali todo mês a ser enchido aos poucos como pequeninos grãos de terra seca.
O azulejo era de uma qualidade inferior, sim, o Zé sabia disso. Mas como tinha sido instalado por ele a pouco mais de três dias cabia tomar conhecimento de quem tinha maltrado a integridade da porcelana barata. Cagando, o Zé olhava aquela lasquinha esfacelada e se sentia desrespeitado como um proletário.
Todo trabalho exige umas besteiras modernas. Telefone para ser encontrado, carteira de identidade para ser registrado, conta corrente para ser cpmfezado e um crediário das casas Bahia para dar um ânimo nas despesas mensais. O Zé levantava muros como ninguém, fazia um cimento fininho, invejável, daqueles bons de se fazer calçadas, escrever nelas enquanto úmidas e deixar para a posteridade a palavra amor ou seu nome. O Zé assinava seus cimentos antes que algum moleque o fizesse, muito por orgulho, mas por artismo também. O muro do Zé era alinhado com fio de pesca porque era isso que ele carregava no bolso o tempo todo. Tijolo por tijolo, fio por fio, massa por massa, chapisco por chapisco. E voltava pra casa muito feliz depois de ter erguido muros nas cidades.
O Zé gostava muito de café forte e bastante açucarado. Mas o açúcar acabava muito rápido em sua casa atacado pelas formigas e pela esposa gordinha das tetas gigantes, a terceira mesma que gostava de chifrá-lo de vez em quando. O café, no entanto, era ela quem fazia e com muito gosto. Passava do jeitinho que o Zé preferia: coado na meia usada durante dia de trabalho. O Zé tinha desejo de amendoim e acreditava piamente que meia usada coada dava o mesmo efeito no manjar árabe. E drinks, drinks drinks...
toc toc toc
toc toc toc toc
toc
plumft tloc toc plumpft
xóoooooooooooo

tsssssssssssssss

ssssssssssssss
m
quem fazia tanto barunho assim no banheiro de madrugada? O Zé, meio bebum de sono, foi lá pra ver e olha lá a lasqueira de azulejo cagando e batendo o salto do sapato alto na lasquinha e aumentando o desgosto do Zé: a cunhada!!!
Pô, Cremeide, sua filha da puta. Como é que você entra aqui, caga e quebra meu azulejo? E como você entrou aqui?
Pela porta, seu chifrudo. Sua irmã me deu as chaves ontem. Cadê ela, inclusive a essa hora? Corno, pf!
Limpou a bunda, fechou a tampa da privada, levantou a calcinha, a saia e, com uma risadinha, passou pelo Zé na porta do banheiro.
Zé, eu pago o conserto do azulejo amanhã, seu bosta, tem café?
Ela, Cremeide, nem sabia que o azulejo e o desrespeito por ele, para o Zé, seriam a gota d'água de uma crise de existência fodida. Rápido como um tatu e forte como a anta o Zé deu um tapa na Cremeide que fez ela voar. Ela se levantou, foi até o lado de fora da casa e voltou com um azulejo extra, uma sobra, igual ao que ela tinha lascado. Será que foi ela quem lascou primeiro em primeiro lugar? O Zé ficou tão confuso que saiu de casa e só voltou seis dias depois iluminado: que é um azulejo?

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