quarta-feira, agosto 15, 2007

Café Filosófico

Essas são trocas de emails com o Quim, meu parceiro. É muito bom pra cabeça, espero que os mails continuem.

Em 13/08/2007, às 17:26, Bruno Prieto escreveu:
>
>>O falso movimento
>>Por Henry Burnett
> >
>>Mídia adota o calypso, gênero musical que surgiu fora das
>>gravadoras, mas ainda tem dificuldades para engolir o rap
> >
> >
>>Há mais de uma década o mercado fonográfico brasileiro começou a
>>sua mais radical transformação. Compositores, bandas, produtores,
>>críticos e todos os envolvidos na complexa rede que dá sustentação
>>à música brasileira viram os modos de feitura e distribuição
>>implodirem, dando origem a uma nova configuração, que passou a ter
>>na autonomia dos artistas sobre suas obras uma histórica conquista.
>>Sem falar que o empresariado especializado não deixou de exercer
>>mais o poder que tinha antes; foi, portanto, uma crise positiva.
>>A despeito da pequena revolução, essa autonomia também oculta
>>algumas peculiaridades. Os “movimentos musicais” criados pelo
>>mercado fonográfico, como o pagode, a axé-music, o sertanejo estão
>>suspensos, como resultado direto da perda de poder da indústria
>>“oficial” da música. Mas não só: essa mudança também se relaciona
>>com o amadurecimento geral da população do país, afinal política e
>>cultura estão ligadas de forma profunda, ainda que isso seja
>>constantemente esquecido.
>>As pessoas agora escolhem o que querem ouvir com mais liberdade,
>>como mostra uma pesquisa divulgada pela “Ilustrada”, da “Folha de
>>S. Paulo” (22/7/2007). O que poderia ser acrescentado ao resultado
>>da pesquisa, é que essas escolhas em nada se distinguem daquelas
>>impostas em épocas recentes e que, ao contrário, mesmo compositores
>>lançados pelas multinacionais da indústria fonográfica ainda
>>aparecem na pesquisa, como é o caso de Zezé Di Camargo.
>>Ocorre que, no lugar dos movimentos artificialmente criados, outros
>>quase movimentos despontaram de modo independente na cena da
>>música, ora positivos ora nem tanto: o mangue-beat de Chico Science
>>é o exemplo mais importante; alguns socialmente determinantes e
>>vivos, como o rap, e outros, que parecem não passar de apenas um
>>grupo, como o calypso. Pensando no mangue-beat como um último
>>movimento dotado de um líder, podemos dizer também que foi a última
>>aparição de um cantor-compositor nos moldes da MPB tradicional.
>>Os outros dois, rap e o calypso, são forças midiáticas de grande
>>intensidade, mas não se equivalem de um ponto de vista social. Por
>>pouco a banda Calypso não foi gestada num escritório empresarial.
>>Poderia ter sido -prova inequívoca é que recentemente a gravadora
>>Som Livre contratou esta banda-, mas é mais difícil imaginar os
>>Racionais MC’s numa reunião com João Araújo, o empresário da
>>gravadora.
>>Não há nenhuma condenação no fato de a música comercial brasileira
>>ser... comercial. De certa forma toda a MPB o é, por princípio. O
>>que o contrato da banda Calypso com uma gravadora ligada à rede
>>Globo mostra é que, nesta área, as coisas se movimentam de forma
>>extremamente rápida e quase sempre de modo pouco compreensível.
>>O fato de ter vendido milhões de discos sem nenhum vínculo
>>contratual e agora, público consolidado, vendas estáveis, a banda
>>tenha resolvido assinar contrato é um lance comercial meio
>>inexplicável. Quem reflete sobre a música popular no Brasil, fora
>>os puristas, podia ver na banda um tipo de “resistência”, agora
>>perdida. Pura ingenuidade.
>>No entanto, contra a afirmação do antropólogo Hermano Viana de que
>>“a pesquisa revela algo que já percebíamos, mas não tínhamos dados
>>para provar: há uma nova realidade na indústria cultural
>>brasileira”, parece que há um grande equívoco. Há tempos programas
>>de TV aberta já haviam levado Joelma e Chimbinha para exibições em
>>nível nacional. Faustão (Globo), Gugu (SBT), Gilberto Barros
>>(Bandeirantes, esse uma espécie de “mecenas” da banda), todos
>>sacaram a força do ritmo e a empatia absoluta que causava em
>>crianças e até em seus pais.
>>A dupla forçou o convite, atropelou o esquema “normal” -antes
>>intermediado por empresários e contatos oficiais com gravadoras- e
>>arrombou a porta; ponto para eles. Uma vitória? Apenas pessoal,
>>jamais social.
>>Fora os grandes cânones da MPB, ninguém vai a um programa de
>>auditório na TV aberta no Brasil sem que seu apelo popular seja
>>reconhecido e consolidado. Quer dizer, a banda Calypso é uma
>>espécie de substituto independente dos falsos movimentos de antes,
>>uma nova febre, de menos extensão que as anteriores, ainda que seja
>>importante por revelar um ritmo amazônico-caribenho que, de outro
>>modo, jamais chegaria aqui -a não ser como chegou o açaí: com
>>banana e granola e sem farinha de tapioca.
>>Acontece que entre uma criação industrial e um fenômeno
>>independente existe o público, o povo. Ninguém lembra muito dele.
>>Aí as coisas não apenas deixam de ser tão passíveis de ordem, como
>>elas são completamente imprevisíveis.
>>É aí que entra o rap. Uma coisa é o Calypso, o Calcinha Preta e
>>afins, outra é Mano Brown e o Rappin’ Hood. Sem essas distinções
>>mínimas, podemos achar que tudo é válido, tudo é bom, e não é,
>>porque senão bastaria dizer que se trata de preconceito de classe,
>>e aí como explicar que “Chega de Saudade” seja uma canção diluída
>>na memória coletiva, tendo sido criada no interior de um movimento
>>burguês carioca como a bossa nova? Tom Jobim tem memória.
>>Da mesma forma, como parece querer nos convencer, parte da crítica
>>musical ligada à TV Globo, representada por Hermano Vianna, não é
>>porque a banda Calypso encerra uma vitória em suas conquistas
>>pessoais -Chimbinha tem uma história similar a Zezé di Camargo e a
>>outros que “vencem na vida”- que por si só ela tem importância
>>histórico-cultural.
>>Se fosse assim, porque não se louva um negro pobre que vendeu
>>milhões de discos e hoje segue uma carreira internacional sem
>>precedentes, como Alexandre Pires? Simples, porque a crítica
>>intelectual parece ter se cansado da ditadura Rio-São Paulo e
>>resolveu abraçar a Amazônia, mas não percebe o quanto de
>>etnocentrismo existe nessa postura “salvadora”. A Amazônia não faz
>>música ingênua, o calypso é o resultado pueril de mais de 30 anos
>>de história do brega paraense, que se construiu sobre uma auto-
>>ironia e riso de si extraordinários e que agora são matéria da
>>antropologia “global”.
>>O rap, que tem uma importância capital para o país neste momento,
>>não serve de exemplo para a TV Globo. Seu discurso antimelódico é a
>>única força vital que milhões de pessoas têm para se expressar com
>>orgulho diante da situação social que os oprime. Mano Brown é sua
>>voz política. E não adianta tentar aliviar as coisas, levando-os
>>para os programas de celebridades. É um tiro no pé.
>>.
>>Henry Burnett
>>É doutor em filosofia pela Unicamp e professor do Departamento de
>>Filosofia da Universidade Federal de São Paulo.

>
> Interesting... Quanto ao Maskavo, já temos público consolidado, mas
> ao contrário do calypso, precisamos estar na mídia pra manter nosso
> status quo.
>
> Abraços!
>
> Quim.

A banda Calypso é um fenômeno, e não há como esconder essa condição. O fato é que eles mantém um show ultra mega produzido, no gosto do público tecno-brega. E fazem o que todo artista que se preza deve fazer, levar alegria aos seus semelhantes. Agora se eu fosse eles, nunca assinaria contrato com uma gravadora. Eles tem é que montar a gravadora deles, a não ser que o contrato seja de compra dessa gravadora porque eles estão muito ricos!!!

atenciosamente
Prata

Quim, não entendi o emprego do termo "status quo".
Esse termo na sociologia e na história é muito forte, quer dizer "manter o estado das coisas" no sentido de não permitir mudanças. É um termo cunhado no positivismo, no século XIX, mas se mantém muito forte nas entrelinhas das sociedades. A Globo, por exemplo, é instrumento do "status quo" enquanto concessão pública pois não cria mecanismo de debate, apenas de réplica, do materialismo, do consumismo, enfim do capitalismo como forma de estar inserido no contexto social.
Dentro desta lógica, se fizéssemos 20 canções idênticas à asas e a um anjo do céu, dentro do status quo como conceito, então elas seriam um sucesso igual às originais, concorda?
E como a manutenção do "status quo" é muito complexa e difícil, e muito integrada à cada sociedade do mundo como uma "persona": eu vivo no status quo, o status quo é uma palavra legal, o que é status quo?, ela se adapta constantemente aos indivíduos, no nosso caso, às bandas, aos artistas, etc. Consolidar um público no status quo, nesse sistema, é ideal, não acha? Mas a dinâmica social não funciona assim, felizmente. É tudo o mais puro caos.

Paz

Bruno Prieto - MASKAVO

>
> Valeu pelos esclarecimentos!
> Pelo q vc me disse, acho que eu tinha uma idéia do que siginificava
> isso.
> Façamos assim, troque o "status quo" (q é bonitinho de se falar
> mesmo!) por"a máquina funcionando bem"- leia-se nossa estrutura,
> o bom número de shows, finalmente o nosso sustento.
> Ainda fico na opnião de que se acredita no caos por não conseguir
> enxergar o que está por trás das coisas.
>
> Beijos,
>
> Quim.

O caos, Quim, é o instrumento do que está por trás das coisas. Leia o Tao que é um texto superinteressante sobre isso. Tem o Tao, o Céu, a Terra, Deus. O instrumento dessas 4 forças da natureza é o caos. O caminho dentro do caos é identificar o que nos influencia no caos e o que nos influencia interiormente, nossas escolhas independente das influências externas. Quando a satisfação interior superar a satisfação exterior, que é a fé superando as dificuldades inerentes do ser humano, daí você verá o caos interagindo com a paz, que é o equilíbrio, e esse equilíbrio tende a ser constante e ao mesmo tempo caótico e mutante, porque nunca está no mesmo lugar duas vezes, nem o yin nem o yang.

Como eu já te disse uma vez: o caos é o pingo dentro da gota, seja ele preto ou branco, verde ou amarelo, marron ou cinza, laranja ou azul.

Independente de qualquer coisa, eu não quero te convencer da minha idéia, eu quero que você perceba que eu já pensei muito sobre isso e que eu já vivo imerso nesse mundo faz tempo. E eu acho que isso me faz mais feliz.

Se é o destino que responde melhor a sua concepção de equilíbrio, está no TAO também, está contigo, é verdade, é a sua verdade.

Paz

Bruno Prieto - MASKAVO

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