Por que eu reclamo tanto nestas linhas? Como um desafiante de boxe quase caído na lona, com meu protetor de dentes pendendo entre a língua e os lábios, estou pronto para receber o último golpe e ser knocked out. Eu já experimentei algo como "decadência" pessoal, parcial, momentânea. Esse tipo de decadência, segundo Nieztsche, nos permite sair de um bunker e ir para outro estado natural e parcial: o estado de luz.
É uma guerra ser quem se quer ser exatamente. E exatamente por isso é que não existe uma forma boa de desistir dos nossos problemas ou esquecê-los. Como eu disse, eu me sinto em falta comigo, sou nota 1, uma pessoa que a dois dias atrás, bem vestida, cheirosa, com os cabelos presos, conseguia vender uma imagem totalmente diferente do que sentia. Porque o sentir é tão interior e pequeno, como uma pedrinha de urânio, pequena e cheia de energia. E eu sinto que minha energia está toda focada em descansar, abandonar o barco, deixar de existir momentaneamente, não atender o celular, não me pronunciar quando perguntado e apenas respirar calmamente enquanto assisto aos jogos mais importantes do torneio de Wimbledon. Qualquer ruído está me deixando irritado e escuto cada vez menos músicas. Inclusive, tirei o som do carro e agora só dirijo ao som dos amortecedores e do motor do carro. Não, não posso relaxar dentro do carro quando existe uma nova lei que não me permite relaxar mesmo dentro do carro. E não que eu goste de beber e dirigir ou dirigir bêbado, etc, eu só bebo de verdade na minha casa. Mas o fato é que medidas proibitivas me causam ojeriza, tiram do indivíduo a capacidade de decidir se ele está fazendo o certo ou o errado por opção. Isso é tão humano!!! E proibir é o mesmo que dizer "ei, todos são culpados até que se prove o contrário", porque acredito que as leis servem pros bandidos, pros vagabundos, desocupados, corruptos e mercenários. Mas uma pessoa bem criada no bom senso e cercada de confiança e amor, mesmo nos tempos de guerra e fome e falência, essa pessoa não precisa de leis. Ela precisa de opções. Pra mim, isso é liberdade no sentido mais simples.
Antes de dormir fui deixar meu filho em casa. É um longo trajeto de ida e volta, muito bonito de se dirigir e bater um papo com meu filho, cantar com meu filho e saber o que ele pensa de estar no carro indo pra lá e pra cá. Para quem pensa que não, meu filho descreve os objetos, diz bom dia e boa noite pra lua e pro céu, comenta o que aprendeu na escolinha, as musiquinhas novas, os amiguinhos, fala da saudade de casa e da mamãe e do papai e da vovó e da Nara e do Bóris e da Uma e ainda tem forças pra não largar o brinquedo que pende em sua mãozinha naquele corpo sonolento. Meu filho já consegue imaginar e criar situações que só ele pode ver e isso é muito bom, é lúdico, é a forma como ele está aprendendo a interagir com as palavras, com seu pensamento e com o mundo a sua volta. Meu filho diz "tchau, senhora!" e conta os números pra mim. Eu olho e me sinto capaz de sorrir e ser feliz com isso e ainda esqueço quem sou. É tão intenso. Eu volto pra casa feliz. Daí lembrei da lei seca ridícula que vigora hoje em dia no país e tomei uma decisão: comprei 5 latas de cerveja e fui pra casa bebê-las. Sem problemas, sem confusão, no silêncio da noite, uma cerveja e um homem feliz. Um homem buscando a nota 2.
Nenhum comentário:
Postar um comentário