terça-feira, outubro 14, 2008

irreal

Como eu já escrevi uma vez por aqui, desempenho nessa vida muitos papéis. Um deles é ser, além de artista, um dos administradores da minha própria empresa, no caso uma banda, que gera renda, empregos, contratos de diversas naturezas, sociedades, necessita de investimentos tanto pessoais como financeiros, vive altos e baixos como a economia dos bancos, depende da disponibilidade de dinheiro no mercado para gastos que vão além do supérfluo e do básico. Minha empresa, então, é cultural.
Nesse processo aprendi muitas coisas porque já tive contrato com duas gravadoras, uma grande e uma pequena, dois contratos de distribuição de obras distintos, conheço donos de rádios e radialistas no país todo, contratantes de todas as espécies. Nada disso me fez uma pessoa melhor. Esse trabalho só me fez ficar mais feroz, agressivo, impetuoso e até mesmo arrogante em alguns momentos, momentos estes que nenhum fã precisou me ver defendendo com unhas e dentes o que é meu por direito.
Já fui, com minha banda, banido de algumas rádios por causa de negócios terceirizados mal feitos, já fui dispensado de uma gravadora por falta de vendas expressivas de discos, já fomos retratados em jornáis e revistas como... nada, a mídia especializada não quer saber de maskavo.
Tenho, com a banda, duas músicas de reconhecimento nacional, sete canções trabalhadas em rádio no país todo e mais três que foram apenas vinculadas na região Sul do país. Tenho alguns prêmios recebidos pela excelência do trabalho do maskavo em prol da cultura brasileira, principalmente o título de cidadão curitibano outorgado pela câmara dos vereadores de Curitiba assinado pelo atual prefeito de lá.
E não tenho nenhum puto no bolso. A minha situação é tão irreal que eu parei de reclamar, penso que a felicidade é deixar de reclamar, sorrir mesmo da desgraça e do infortúnio. Me sinto incompetente como empreendedor, um péssimo líder dentro da banda. Sinto-me em dívida comigo mesmo; com as possibilidades reais que meus pais me deram de progredir naquilo que eu quisesse devo estar devendo para mim uns oito anos, uns cem mil reais e algumas viagens internacionais.
Sábado eu queria ouvir uma música alta, sair pra dançar, ver gente e me divertir. Mas desde semana passada que eu só tenho R$11,00 na conta. Não que isso seja mais um problema. Convidei um amigo que tem muitos contatos e disse a ele que, por todas as cervejas possíveis, eu faria uma festa em casa. Fiz. Vieram pessoas que eu nunca vi na vida, muitas pessoas com muitas bebidas e eu fiz aquilo que eu gosto: coloquei meus discos pra tocar. Meus amigos também trouxeram alguns lps deles e então nos revezamos nas pick-ups por horas e horas, o povo dançava, conversava, bebia, se divertia às custas de tudo o que tinha na festa. Teve um povo que resolveu ir lá no fundo do quintal tocar violão, legal demais. E sem nenhum puto no bolso eu me diverti o pouco que pude. Não preguei os olhos até que todo mundo fosse embora porque tive que arrumar a casa com meu irmão mais novo, promessa que fizemos a nossa mãe e cumprimos, e lavar o chão, o que não fizemos ainda.
Pra quem pensa que ouve azaração, vieram 8 meninas e uns 50 homens, os homens mais feios do mundo. As meninas também, menos minhas verdadeiras amigas, então foram 6 meninas no total. Acho que foi a reunião dos pega-ninguém ao mesmo tempo em que eu afogava a minha momentânea falência no alto volume das canções que ouvia. O total clima de despretensão da festa foi o ápice de tudo. Me pareceu que tava todo mundo sem grana fazendo vaquinha pra comprar cerveja, quer dizer, somos eu e os jovens todos falidos tentando se divertir nos embalos de bons lps e cds e sendo solidários uns com os outros porque é assim a vida, essa vida irreal que nos nivela pelo que temos e pelo que almejamos, mas não pela beleza em si que somos.
E, sem nenhum puto no bolso, de manhã cedo no Domingo me perguntei: qual será o presente do meu filho de dia das crianças? Ainda bem que a mãe dele pode comprar algo legal, me salvou dessa. Mas eu não deixo de pensar: como é que o dono da empresa é o cara mais pobre da banda?

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