Mulher, mulheres
é com um misto de felicidade e preocupação que me coloco à refletir sobre o dia 8/3. Acho válido o movimento depois de termos retrocedido tanto no tempo, na cultura, na divisão dos papéis sociais. Passaria, eu, apenas segundos defendendo que o dia internacional da mulher é o dia em que se valoriza a venda de calcinhas, de sapatos, de maquiagem, foi o que eu assisti na televisão entre meu trabalho no estúdio, Ana Maria Braga, uma ida na varanda para respirar e no meio da tentativa frustrada de buscar uma explicação para esta comemoração.
Eu fui criado por uma mulher. Muitas mulheres mudaram a minha forma de ver, de viver, me ensinaram a dar e receber amor, me sacanearam, me esqueceram. E nunca achei que isso fosse algo sexista; o contrário: acho isso uma coisa humana. As pessoas mais bem sucedidas que conheço são mulheres; minhas amigas dão um banho nos meus amigos em se tratando de ir embora, buscar algo novo pra si, ganhar dinheiro, encarar os desafios. Nunca achei que elas fizeram isso como um ato político, mas sim, por serem por demais competentes, ousadas e indiferentes ao fato de que, no sistema de hoje, elas são desfavorecidas. É claro pra mim que, em se tratando de competir e em se tratando de vivermos no mundo dos que vencem e dos que perdem, nessa visão de mundo 2D, as mulheres vivem um dilema. Ser melhor, maior, mais poderosa. Mas é o caso de revisarmos mulheres que conquistaram tudo isso e que, lá no final da reta, não passavam de pessoas rancorosas, abusivas, que foram decapitadas por causa do mal que criaram. Isso é tão humano também.
Comemoramos então o que no dia 8/3? O fato da mulher ter dado o grito. Estamos aqui! Foi isso? Quais a liberdades, quais os avanços gerados pela rebeldia de algumas poucas figuras corajosas? E tudo gira em torno do sexo e do controle ao sexo, e da aceitação de que mulheres e homens são iguais... ainda assim me parece uma grande piada pois o que eu vejo no dia-a-dia, mais do que mulheres e homens, são pessoas convivendo porcamente, uma querendo mais do que as outras. É só vir um terremoto que todos nos tornamos animais. Uns mais fortes e outros mais fracos.
Figuras corajosas, pois esse é o assunto que procuro na luz da escuridão. Porque pra mim mulher que mora com um homem e é agredida durante 10 anos por causa de bebida e mantém o casamento, antes de ser uma injustiçada, é uma pessoa burra. Humilhação é outra questão maior do que o sexo das pessoas. Minha amiga Cynthia atenta para o fato de que em certos países mulheres tem sua primeira relação sexual através do estupro. Horripilante, tanto quanto saber que soldados norte-americanos no afeganistão estupram tudo, homens, mulheres, bichos, é uma coisa insustentável de sabermos. Figuras corajosas. Pois as mulheres que eu admiro tem a admiração de seus homens também. São pessoas em pé de igualdade com tudo o que lhes ronda, são exemplos de conduta, otimismo, seriedade, competência, amor. São assim porque já ultrapassaram as barreiras das comemorações e do tapinha nas costas, vivem uma existência independente dos elogios. Para elas, dia 8 é dia de fazer alguma coisa como são os outros dias de um ano.
No entanto, precisamos ainda nos lembrar do dia internacional da mulher para sabermos que, se já existiram sociedades matriarcais e amazonas pelo planeta, se existem rainhas e sacerdotisas, artesãs e artistas, também existe a memória de pouco tempo onde isso tudo foi jogado por água abaixo. Homens acima, mulheres abaixo. Religião e ciência andaram séculos de mãos dadas provando essa relação estúpida entre sexo e capacidade sexual. E pelo que eu li, a primeira tentativa de ratificar uma exaltação à mulher foi por causa da entrada delas no mercado de trabalho na segunda revolução industrial, ou seja, trabalhando em minas de carvão como os homens, todos explorados ao mesmo tempo por causa de sua condição frágil ante o capitalismo. Comer, viver, respirar e morrer!
Eu, que fui criado por uma mulher, sempre achei que todo dia 8/3 era o dia de aniversário do meu amigo e compadre, mas dado o terrível impacto da história do mundo sobre nós ainda me permito meditar sobre a questão fundamental: o que seria o mundo sem mulher? E não há resposta mais sincera do que esta: só existe gente se existirem mulheres e homens. Dada nossa condição de igualdade, estou como todo humano criando filhos mais preparados para esta questão, só aguardo a evolução da vontade de mudar dos tempos onde o dia 8/3 será apenas mais uma data no calendário e não a celebração da consciência de que mulheres lutam por seu lugar no sistema. Que o povo inteiro entenda isso afinal e possamos dar um passo para outra realidade que não seja tão exclusivista e míope em relação ao sexo feminino.
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