terça-feira, novembro 16, 2010

Drogas: defendidas com canhões e combatidas pelas leis - Joaquín Rábago

Londres, 16 nov (EFE).- O mundo das drogas é mesmo estranho: às vezes são defendidas por Estados a tiros de canhão e em outras ocasiões são combatidas pelo rigor das leis, como documenta uma exposição que acaba de ser inaugurada na capital britânica.

É conhecida a brutalidade utilizada pela Grã-Bretanha para proteger o comércio de ópio com o qual a East India Company pagava o chá, a seda, a porcelana e outras mercadorias que importava da China, no século XIX.

O ópio era ilegal no país e quando o comissário chinês do imperador decidiu requisitar todo o ópio importado da Índia pelos britânicos para atirá-lo ao mar, a Grã-Bretanha, em nome do livre comércio, atacou com canhões vários portos chineses e obrigou a China a assinar o Tratado de Nanquim (1842).

A partir desse momento, as plantações de ópio da Índia se transformaram em um dos ativos mais rentáveis do império britânico e o comércio com a China permitiu ao Reino Unido impor-se claramente sobre as potências comerciais rivais, como Espanha, Portugal e Holanda.

A exposição da Wellcome Collection, que ficará aberta ao público até 27 de fevereiro e que também conta com o lançamento de um livro, "High Society: Mind-Altering Drugs" (Alta Sociedade: Drogas que Alteram a Mente, em tradução livre), de Mike Jay, traz um olhar crítico e isento de moralismos sobre o mundo dos alucinógenos e entorpecentes.

O fenômeno, que de uma forma ou de outra atingiu todas as sociedades, é examinado historicamente pela exposição desde suas origens nas culturas mediterrâneas e do Oriente Médio até sua propagação por outras partes do mundo.

"High Society" (Alta Sociedade) - título que brinca com a palavra "high" (alto), que também pode significar "estar drogado" - parte da ideia que a alteração da consciência mediante a ingestão de determinadas substâncias, mesmo que hoje sejam lícitas, como o álcool, ou ilícitas, como a heroína, é um "impulso universal".

A partir dessa constatação, a exposição examina o uso de diferentes tipos de drogas em todo o planeta com propósitos recreativos, religiosos, medicinais ou sociais, em uma tentativa de demonstrar que as drogas não são um problema exclusivo da sociedade moderna.

A maioria das drogas que atualmente são consideradas ilícitas, como a maconha, a cocaína e a heroína, são derivadas de plantas que foram utilizadas como remédios durante milhares de anos.

O cannabis é uma planta encontrada originalmente na Ásia Central, mas já era conhecida dos antigos gregos, enquanto os exploradores espanhóis que chegaram à América foram testemunhas do consumo das folhas de coca pelos indígenas andinos.

As drogas foram e continuam sendo consumidas também para a interação social, explica a exposição, que dá como exemplos o uso que se faz de bebidas como a ayahuasca, produzida a partir de plantas alucinógenas e empregada nos rituais xamânicos dos tukano, da Amazônia colombiana, e o uso do peiote, um pequeno cacto rico em mescalina, pelo povo huichol, do México.

No final do século XIX, conforme as drogas ganharam potência, as pessoas começaram a tomar consciência de que é preciso controlá-las e as formas adotadas para este fim são distintas: educação, medicação ou a mais radical, a criminalização.

Esta última segue sendo aplicada a diversos narcóticos graças a uma convenção da ONU que não extinguiu o mercado ilegal, calculado por essa mesma organização em US$ 320 bilhões de lucro ao ano.

A exposição da Wellcome Collection reúne objetos e depoimentos de etnógrafos, cientistas, escritores e artistas relacionados com a história das drogas.

Entre esses nomes estão Sigmund Freud, que escreveu um panfleto sobre a coca, Albert Hofmann, o primeiro que descreveu a síntese do LSD e seus efeitos, Samuel Taylor Coleridge, autor de "Kubla Khan", poema escrito sob a influência do ópio, e Thomas de Quincey, autor das "Confissões de um Comedor de Ópio".

Também estão na exposição o poeta francês Charles Baudelaire ("Paraísos Artificiais"), seu compatriota Théophile Gautier ("O Clube dos Fumadores de Haxixe") e Henri Michaux, que pintou muitas vezes sob os efeitos da mescalina.

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