quinta-feira, dezembro 23, 2010

"O tempo é um ponto de vista dos relógios", diz Mario Quintana; leia versos

Em "Para olhar por outro ângulo", os mini-poemas revelam que o passar do tempo é atravancado pela submissão da mediocridade das coisas que nos cercam. O poeta gaúcho explode seus pensamentos em pequenas sentenças, um prato cheio para os tuiteiros assíduos.

Da matemática sem dor, da mentira como verdade que esqueceu de acontecer, da esperança como urubu, entre outros elementos travestidos, Quintana dissolve as ocorrências como causa e não como consequência.

Leia abaixo alguns versos da antologia do poeta Mario Quintana.

PARA OLHAR POR OUTRO ÂNGULO

A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer.

O tempo é um ponto de vista dos relógios.

A modéstia é a vaidade escondida atrás da porta.

Se a casa é para morar, por que a porta da casa se chama porta da rua?

A esperança é um urubu pintado de verde.

O vento assovia de frio.

Um discurso em homenagem nossa é uma verdadeira surra às avessas: fica-se naquele estado horrível e sem palavras com que revidar! A vida nutre-se da morte, e não a morte da vida, como julgam alguns pessimistas. A morte é o aperitivo da vida.

...a morte não faz esquecer, mas faz tudo lembrar.

A curva é o caminho mais agradável entre dois pontos.

O que tem de bom numa galinha assada é que ela não cacareja.

Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que nunca acho que escrevi nada à minha altura.

Se eu acredito em Deus? Mas que valor poderia ter minha resposta, afirmativa ou não? O que importa é saber se Deus acredita em mim.

Rezar é uma falta de fé: Nosso Senhor bem sabe o que está fazendo...

O despertador é um acidente de tráfego do sono.

Desconfio desses turistas que consideram exóticos os países visitados. Ficam de fora, vendo o pitoresco em tudo: nas casas, nas roupas, nos costumes, nas crenças... E nem desconfiam que a única nota exótica desses indefesos países são precisamente eles!

O problema da solidão não consiste em saber como solucioná-la, mas saber como conservá-la.

O bacteriologista é um astrônomo às avessas: espia pelo outro lado do canudo...

A pantera é uma curva em movimento.

Nem todos podem estar na flor da idade, é claro! Mas cada um está na flor da sua idade.

Nós não perdemos os mortos, os mortos é que nos perdem.

A morte é quando a gente pode, afinal, estar deitado de sapatos.

Não sabias? As nossas mortes são noticiadas como nascimentos pela imprensa do Outro Mundo.

Os lugares-comuns são cômodos como sapatos velhos. Facilitam a vida, estreitam relações, evitam desconfianças e desentendimentos.

Nunca me senti bem nas salas de estar. Salas de estar... Mas de estar o quê?

Não, o provérbio não está bem certo.

O raio é que enquanto há esperança, há vida. Jamais foi encontrado no bolso de um suicida um bilhete de loteria que estivesse para correr no dia seguinte.

A rua é um rio de passos e vozes.

Tenho uma enorme pena dos homens famosos, que por isso mesmo perderam a sua vida íntima e são como esses animais do Zoológico, que fazem tudo à vista do público.

A Matemática é o pensamento sem dor.

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