quarta-feira, fevereiro 09, 2011

A vida é pequena e curta - Bruno Prieto

A brisa está fria e agradável depois da chuva fina que caiu no telhado. A varanda está com o ar úmido. Perfeita para pensar, esta noite. De tarde estava abafado e a única coisa que meus ouvidos conseguiam captar eram os ruídos dos carros e a máquina de cortar grama do vizinho. Agora, nesta calma sem fim, ouço as batidas do meu coração finalmente. Faz um ano que não saio de mim e não consigo escrever sequer uma linha. Esse incômodo terrível acabou. Tanto quanto a tristeza que pairava em meus ombros, a angústia, a falta do que dizer e a falta de dinheiro constante. A luz do poste amarela pouco ilumina meu quintal, mas ajuda meus olhos castanhos a enxergar, eu estava com medo o tempo todo de sofrer com alguém ao meu lado, com a minha família, esse silêncio amargo de não saber qual o caminho a ser trilhado. Olho o violão encostado na parede e não sinto nada. Os discos na estante, não quero escutá-los. Finalmente o silêncio e esse vento gostoso acariciando meu rosto. Essa tristeza indo embora. Não sei como me comportei e fui tão ausente por tanto tempo dentro da minha cabeça. Aliás, a única coisa que eu sentia parecia o tempo todo me estrangular. Eu acho que comecei a sorrir diferente desde que fali. Contas, contas, contas. A responsabilidade de ser criativo me sufocava também e dessa angústia não saía nada. A gasolina do carro acabando e eu não sentia nada. As festas de final de ano passaram como um cometa em órbita muito próxima da Terra e nada. Um nada que, neste silêncio em que me encontro agora, não faz o menor sentido. Mas é assim. São os anos que passam e nos definem. As horas definindo o ritmo das decisões mais importantes e empurrando nossas carcaças para algum lugar comum. Eram as festas e nelas eu estava. A vontade de dançar era grande, mas meus pés não saíam do lugar apropriadamente. As luzes, de uma certa forma, manifestando a maravilha da física, iluminando as pessoas mais felizes, mais tristes, mais equivocadas e nada. Eu estava muito sem interesse porque estava dentro de um véu de porcarias dentro da minha cabeça. Nada confuso, nada a manifestar, nada. Como assim? A felicidade latente e os filhos crescendo, os filhos dos outros nascendo, o amor fluindo e as amizades florecendo. Os passeios de carro as vezes me traziam certa lucidez porque a vida e a sociedade estão uma loucura. É morte demais. Quem quer saber de tudo online escolheu uma vida sedenta de notícias que não trazem respostas pra nada. A vida é uma coisa única e pequena que sentia estar saindo de mim assim como meu cheiro que sumia e meus estímulos mais animais pereciam ao gosto de todas as comidas. Eu sorria, mas meu sorriso não era mais o mesmo. Já estou no quarto ano em que o trabalho ficou mais difícil. Viver de música ficou muito difícil. Produzir algo bonito e tocante para o mundo virou uma tarefa tão estranha quanto pegajosa. Eu queria que isso saísse de mim e não saía nada. Ao mesmo tempo essa confluência de boas coisas rolando ao meu redor. Gente linda, maravilhosa, cheia de energia e juventude, que coisa mais revigorante, eu que não queria mais nada comecei a ter muito o que fazer e pouca energia para diluir esse amor e sentimento em alguma canção. O sufoco que as palavras me causam estava escondido nas conversas de boteco ou nos meus próprios lençóis coloridos, na água da piscina e nos churrascos que fizemos aos montes. Era um vai-e-vêm de emoções que, se não eram novas, eram sinceras. Meu mundo tinha caído em 2009, mas 2010 prometia ser melhor e mais caliente. A medida que meu otimismo progredia do não para o sim, na mesma proporção, minha voz interior foi do sim para o não. Tantos desgostos, processos trabalhistas, falta do que fazer nos finais de semana que antes eram lotados de viagens e shows, a falta de viver a minha vida ficou pesada. Resolvi dar uma chance a mim mesmo e fui viver um pouco a vida dos outros. Ser prestativo, aprender a cozinhar. Durante uns bons meses isso foi bom. Mas foi bom porque eu não tinha mais nada importante para fazer. E isso foi criando a minha volta uma rotina que, desde pequeno, me dói como um choque elétrico. As mesmas festas, as mesmas pessoas, as mesmas fofocas e eu sem nada pra acrescentar. Quando eu cheguei ao zero tinha magoado as pessoas que mais me queriam por perto. Me recompus e briguei com as estrelas, eu olhava pro céu e pedia paz de espírito e meu cheiro de volta. Topei com uma puta dor de cabeça e uma dor no coração que me fazia querer parar de respirar. Até que resolvi gravar um disco. O processo de gravação foi longo e até agora ainda não deu resultado de verdade. Mais um revés. E eu, nada, não reagia a isso. Foda-se, eu dizia. Vou continuar aqui porque é daqui que eu gosto. A rotina ia me perseguindo como um lobo faminto. Reencontrei velhos amigos que me inspiraram a ter prazer em tocar algum instrumento de novo porque, apesar de meus dedos nunca terem enferrujado, eu sentia um grande vazio nos momentos mais incríveis. Era vontade de ficar sozinho? Jamais saberei porque sempre estou perto de alguém e sempre tem alguém perto de mim. Fui embalado como um enlatado nesse processo e nada me tiraria daquilo a não ser eu. O meu eu interior um dia, em uma noite de sono, me disse CHEGA. Eu já não dormia direito desde 2008 então pensei estar tendo um conflito mental daqueles que a ioga descreve. Não quis entrar nessa comigo mesmo. Está tudo bem, minhas costas doem, meu ombro direito não para de doer faz anos, meus desejos e sonhos já estavam realizados e eu só precisava viver. Até que a vida dos outros me pegou de jeito. Como se não bastasse ainda me mostrou que eu tenho muita coisa pra fazer e que eu estou pegando leve demais comigo. E estou atrasado nessa minha vida, pequena, curta, mas minha. Então me bati nos ombros e voltei a ler. Descobri que meu cérebro estava embotado por causa desses anos inativos. Fui obrigado a viajar para o litoral e lá, em 5 dias, me bateu uma solidão enorme. Eu e aquele mar e aqueles bilhares de grãos de areia. Olhando meu filho nadando no mar senti que meu sorriso, aquele sorriso maroto, tinha voltado. Apenas a vontade de sorrir iria me satisfazer? Foi quando senti que a mesma insatisfação que me tirou de Brasília havia retornado ao lar. Aquele nada já tinha esgotado. Eu tenho muito o que fazer. Retornei pra casa sem saber escolher as palavras para definir tudo o que passei pras pessoas que eu amo. Ao invés da solidão veio o silêncio. Depois do silêncio veio a vontade de sumir deste mundo e depois vieram estas palavras que agora escrevo. Eu passei quatro anos em débito comigo e, corações partidos à parte, preciso sumir, trabalhar, respirar o ar da criatividade. Porque a vida é pequena e curta demais pra ficar sentado na varanda vislumbrando estrelas e esperando que alguém reconheça ou me dê aquilo que realmente me satisfaz: a necessidade de mudar o tempo todo. Obrigado.

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