quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Cabeça raspada

Quando sinto vontade de raspar a cabeça
e abrir mão de minhas melenas encaracoladas
ou é por questão de fé
ou então por questão de estética
Em ambos os casos, sou eu precisando sair do lugar
precisando demonstrar uma atitude
que fortaleça dentro de mim o equilíbrio entre
deixar ir embora ou superar os revézes
seguir sem olhar pra trás
Faz parte de mim
assim como de um buda adormecido da Imaginarium
não ser assim tão bonito
Agir é mais do que apenas saber
que as vezes vamos dormir com a pulga atrás da orelha
com o coração apertado e perdidamente apaixonado
com saudades do que fomos
com a certeza de que envelhecemos melhores e mais sábios
honestos, vigorosos, esmerilhando o senso ético
apenas ouvindo o bom senso presente no silêncio e no I-Ching
presente em todos os seres vivos.

Quando sinto vontade de raspar a cabeça
é porque aprendi alguma coisa secreta e que me move
me tira do lugar de onde eu estava
me tira deste nono andar na Avenida Pompéia
deste barulho infernal de carros e britadeiras
do nono andar tudo fica mais barulhento
tudo fica mais sem graça e apertado
As pessoas viram grãos de areia, pequenos insetos
e eu sou um deles aqui em cima
outro tipo de bicho
que não se acostuma com tanto barulho, essa bomba atômica
que me tira o sono
e me faz questionar coisas inquestionáveis
não tenho talento pra calvície
não tenho talento pra obesidade
não tenho tempo de poluir meus ouvidos
pois preciso deles para ouvir música
e as suaves batidas do meu coração

Violão, televisão, rádio difusão
Com essa poluição sonora
tudo fica meio xoxo/chocho
é a deformação, é anti-depuração da sensibilidade humana
é por isso que, em São Paulo, os sorrisos só estão nos outdoors
e os animais só se divertem de noite
porque é mais calmo
e mais sutil
e mais perigoso gritar!
Não consigo mais escrever. É a britadeira que me impede!

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