Cá estou eu fugindo do frio estomacal tomando chá olhando de canto do olho a janela... esse azul vespertino celeste que neutraliza a feiura do cinza automotivo que se mescla à secura deste inverno paulistano. A lua já intervém na paisagem e brilha prateada no meio deste azul claro e o amarelo do sol refletido no amarelo do edifício recém construído à frente de onde estou sentado me tirou daqui e me levou a uma onda de viagens.
Lembro da primeira vez que me propus a gravar com uma banda alguma coisa. Foi um desafio feito por uma professora chamada Solange cujo objetivo era incentivar alguém da sua turma a participar do show de talentos da escola de inglês que eu estudei e me formei. O desafio me pareceu satisfatório: gravar duas músicas com uma banda de integrantes da escola de inglês e depois torcer para ser selecionado para o talent show. Eu, meu irmão gêmeo, o Cássio, o Vicente, o Carlos, um outro que eu esqueci o nome e com o Cláudio na bateria, que não era aluno, formamos o The Hugos e resolvemos tocar os hits do momento grunge: Pretend we are dead, do L7; e Suck my kiss, do Red Hot Chilli Pepper. Fomos gravar depois de meros dois ensaios no estúdio Lochness, na 702 norte. Um lugar bom pra se fazer um estúdio; de costas pra uma oficina, em cima de uma oficina, cercado de oficinas que de dia faziam muito barulho e que de noite soavam como os grilos ou como um vento do agreste solitário. Quando eu vi pela primeira vez uma potência de baixo eu, com meu tonante azul, resisti ao máximo colocar aquilo tudo no máximo e explodir o estúdio todo. Eu apenas liguei o baixo e vi que não era possível fazer tamanha barbárie sonora com aquele pedação de amplificador. Seria ruim.
Daquela banda eu, meu irmão gêmeo e o Cássio enveredamos, profissional, amadora, platônicamente, pelo ramo musical.
A gravação foi ao vivo e eu não me lembro muito bem e nem tenho registros que me remetam aquele tempo, mas eu lembro de ter sido bom saber que poderíamos desempenhar qualquer coisa de primeira. Aquele sentimento só veio a crescer com o tempo e já no The Sounders ou no Os The Ev eu ou eu e meus comparsas já enveredávamos pelo ramo da produção de músicas, de demotapes, de sonhos em 4 canais.
O The Hugos gravou em Adat de 8 canais, um luxo pra época e pro dinheiro investido, e nos deu passe pra tocar no show de talentos. Com muito orgulho e ansiedade nos preparamos para o evento afim de não darmos mancada com a Solange. Eu não mencionei que ela era a diretora da Thomas Jefferson da Asa Norte na época, pessoa austera, cara de brava, muito inspiradora e correta, muita gente tinha medo dela. Eu tive a oportunidade de enxergar além das aparências e da juventude perturbada, do terror implícito na autoridade e conheci uma pessoa que me fez acreditar no sonho, porque até ali eu não tocava baixo e tinha planos de morar nos EUA. Eu era um menino de 15 anos.
NO mesmo ano fui convidado para entrar em uma banda de metal porque eu tinha um baixo. Aceitei pela experiência e porque tinha uma amiga minha na banda que tocava bateria. Esta banda se chamava Heresy e também gravou um ensaio ao vivo no estúdio caverna. Outro dia meus irmãos estavam revirando fitas K7 e ouviram a música... deram muita risada porque o lance era sério mas nós éramos muito novos para fazer aquele tipo de som raivoso. O riff era legal no entanto. Essa banda era da escola. Depois esse povo doido me ligou uma Sexta-Feira de noite e me perguntou se eu tinha um baixo. Desconfiei que baixistas eram figuras raras na época, concordei que eu tinha um baixo e um amplificador. Melhor! Menos dois problemas. Tem um show numa feira do Lago Norte, na quituarte, o cachê é comida e tocaremos... 30 músicas; de The Beatles a Rita Lee, Roberto Carlos a Genival Lacerda. Eu tinha uma namorada que não me dava muita bola, não me levava a sério na época então topei o lance de cara. Tirei metade das músicas e o resto eu improvisaria... uma pena que não teve registro desse show. Lindo, leve solto. Viramos uma banda depois disso: The Sounders.
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