Linha da vida
Bem, na verdade, acabo de sentar para escrever uma linha da vida que foi requisitada pela minha professora de psicologia, e me vi diante de um desafio sem tamanho. Em face desta inusitada situação pensei: não é possível, preciso dividir isso com alguém. O ISSO trata-se de um súbito gap de memória que pegou-me de surpresa.
Sempre achei que tinha uma ótima reserva de memórias da minha infância e adolescência. Já me gabei diversas vezes por lembrar que aos 3 anos eu tirei uma foto muito simpática com um bode e uma carroça no jardim de casa. Na época as tais carroças percorriam as ruas de casa em casa oferecendo o serviço. Aquela foto era coisa tradicional. E eu me lembro muito bem. Há ainda outro episódio em que, muito apertada, não cheguei ao banheiro e aliviei a bexiga no canteiro da garagem. Esse teve direito a foto também. Pois então, eu considerava a mim mesma quase uma prodígio em termos de memória. Eis o problema: isso é tudo. Tudo que recuperei da fase mais fofa, engraçada e adorável da minha linha da vida. É tão pouco que assusta.
Finalmente admito que essa minha linha está meio entediante. Estou pensando em incluir hoje, o dia em que me dei conta do quão inconsciente estou de como me tornei aquilo que sou. Esqueci muita coisa pelo caminho e isso pode ser bom por um lado, mas me faz sentir um tanto despida de história por outro. Não satisfeita, continuei a minha incansável busca por qualquer fragmento, qualquer detalhe e percebi que muitas das coisas que ainda trago comigo não são positivas. São inseguranças, frustrações e mágoas. Queria saber por que uma mínima parte de tudo que é bom permanece e por que a bagagem ruim insiste em não ficar pelo caminho.
Eu penso muito sobre infância por causa do meu filho. Sempre que eu o observo e quando eu estou brincando com ele, desenhando, etc, eu fico absorvendo o momento pra nunca esquecer dele pequeno, de mim sentado no chão todo sujo, correndo com o carrinho ligado por barbante... eu tive uma infância muito rica e cada dia que passa eu percebo que só não perdi aquela essência porque ela sempre esteve aqui comigo e meu filho me ajudou a acessar toda essa memória, essa linha da vida toda se colou.
Tem coisas que eu confio mais no meu irmão gêmeo para lembrar porque, se por um lado eu lembro de X, ele lembra de X, Y, Z, cada detalhe que você ficaria chocada. Mas o Breno, desde pequeno, gosta de fazer exercícios de memória então é natural pra ele lembrar-se de tudo. É o jogo da linha da vida.
Mas a verdade é que fomos puxados por um sistema onde temos que crescer e desenvolver o mais prontamente possível para o mundo do mercado de trabalho e isso nos inibe pra caralho, nos tira todo o suco porque nos esprememos entre ser ou pretender ser e, na real, o lance é viver. Minha mãe e meu pai sempre valorizaram coisas que são muito cafonas hoje em dia, mas que são valores muito fortes em mim e um deles é cuidar da imaginação da criança, assim como eles povoaram minha vida de vinis, livros, pinturas, materiais de pintura e desenho, fizemos muitas viagens, andamos de barco, cavalgamos, jogamos tênis, tudo eles incluíam a mim e meus irmãos para aprender; e é isso que eu faço com o Ravi.
Dá uma sacudida aí na sua cabeça que uma hora deve explodir sua vida como um filme na sua cabeça; tenha coragem, deve ser um filme lindo com muito mais positividade do que você imagina.
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