quinta-feira, janeiro 26, 2006

Alguém para meditar - Extemporâneas n#3

Eu já não sei mais o que é acordar sem estar alerta. Aquele sono profundo que existe dentro de mim foi trocado, deu lugar a um outro tipo de sono perceptivo que não abre mão de estar onde está, na hora do sono ou não. É impossível descrever o que sinto ao acordar mas é fato que o grande monstro da minha vida é a dificuldade de vencer as limitações do pensamento ocidental em um contexto amplo e espiritual.
Mas o ocidente tem seu lado espiritual vivo na presença de algumas civilizações indígenas no Brasil, no pacífico americano, os mexicanos e os peles vermelhas norte-americanos, os esquimós e toda a mestiçagem oriunda das forçadas ocupações populacionais do continente índio. Onde está em mim, em nós, o índio negro europeu que se perde a cada minuto na busca pelo dinheiro e pela materialização do inócuo? Onde estão as raízes de Mali, Yorubá e Macro-Jê que permeavam a vida deles aqui na América e na África a quinhentos anos atrás?
De tal forma a imagem renascentista de que Deus veio parar aqui na forma de um homem barbudo e que salvou-nos bastou para que pessoas menos afortunadas se acostumassem a rezar de joelhos pedindo para serem libertos de sua culpa. E ainda vivendo almejando e contradizendo seus votos pela simples troca da indulgência, do remorso ou dízimo. Não me sinto pronto a excluir de ninguém seus pecados ou de suas individualidades fazer partir a luxúria e o ódio. Me sinto apenas observador do período mais decadente na escala védica dos tempos, do período que chamam de apocalipse, da paródia que é ver o mar ferver e o céu pegar fogo.
A força que insiste em me dizer que o espiritual ocidental, o carma do brasileiro, é encontrado no elo entre sua origem devastada e remanescente e a que tomou o seu lugar dorme em meus sonhos. Se veste de lagarto, de coruja ou bem-te-vi e de cachorro. Fica imóvel como uma pedra e é leve como as nuvens. Dorme e pede para despertar. Por isso eu medito. Mas medito muito sozinho.
Aprendendo a não temer a morte e aprendendo que a cidade, ou as cidades todas, tem em si estruturas que me atolam nas contas, nas prestações de contas e ser um número, vários números e códigos e senhas, um dígito entre os milhões de brasileiros percebi que eu estou procurando a minha religião nos olhos do povo, na música que ouço nos velhos lps. Encontro a resposta as vezes para perguntas que assolam minhas teorias. As vezes eu não entendo bulhufas do que estou sentindo. Daí eu procuro dialogar com amigos, perguntar coisas que só fazem sentido pra mim neste contexto onde um quebra-cabeça é a mais perfeita forma de analogia.
Juntando as peças eu formo uma imagem do presente que me dá um certo nojo. Mas sou otimista com relação ao futuro pois o futuro me reserva um bebê que me dará o direito de amar incondicionalmente até quando a corrente aguentar. A corrente é o tempo. Minha mulher é meu oceano. E eu gosto da praia. Obrigado.