domingo, julho 27, 2008

Parte de mim

Meditei
durante 3 dias, eu meditei
em silêncio profundo
no profundo vale da lua
no poço encantado
na cachoeira dos cristais
não era eu

O som do bater das águas
nas pedras
na vegetação que insiste em brotar na pedra
no poço de água verde ecoará
espumará
infinitos dias e noites na chapada
quem estava lá?

O frio da madrugada
o sono inquieto de meu filho
o chiado do meu nariz melecado
resquícios inconscientes da cidade
sumiram
ficamos mais saudáveis de repente
nos unimos ao todo

pensar
resolver pensar
resolver não pensar
esquecer de pensar
ver, olhar e enxergar
tocar e sentir
fechar os olhos

O sol queima a fronte
as costas
os lados
em cima
embaixo
menos a sola do pé
isso se você quiser

resolver pendências passadas
traçar um novo objetivo
conhecer o novo amor da vida
se apaixonar por 1 segundo
perder o senso do ridículo
lembrar o que é ser feliz
lembrar o que é ser criança

e pra quem acredita que a natureza é pura
balela!
a natureza age de maneira bela
a natureza toda e tudo nela
é limpo
é limpo
o que é lixo?

terça-feira, julho 22, 2008

Certo grau de agressividade

Minha mãe costuma sempre lembrar que eu sou um mal perdedor e de que eu não devo apostar porque não tenho espírito de jogador. Quando eu era moleque fui incentivado a fazer dois esportes individuais: karatê-do e tênis. Ambos os esportes são complexos e exigem físico aprimorado e capacidade de ação e reação instantâneos, além de exigirem doses de improvisos e de sorte. Fundamental mesmo é ter talento para antecipar o adversário ou, como no xadrez, fazer seu oponente ir onde ele precisa pra você derrotá-lo. Não existem apostas nestes esportes, pelo menos para quem os joga, porque é impossível, mesmo crendo na possibilidade estatística do melhor/pior, prever quem vai ganhar uma luta ou um jogo que soma talento, capacidade de solucionar problemas e envolver psicologicamente o adversário é uma tarefa que não cabe a quem luta.
De uns tempos pra cá eu apostei muito no Maskavo. Muito de mim, muita coisa que o dinheiro não recupera, muito tempo esperando para ver no que ia dar essa banda. Cheguei a conclusão que minha mãe acertou de novo e eu não vou mais apostar, mesmo que na banda, de novo. Apostar me torna obssessivo, agressivo e ansioso. Apostar tira a glória da excelência porque só dá ao dono do bilhete motivo de riso temporário e que só se satisfará com outra aposta e outra vitória ou derrota. E um apostador nunca é saudado como uma pessoa que viu algo além do alcance; ele é visto como um oportunista e que só enxerga matéria no final, lucro enfim.
Estou a dois anos tentando desesperadamente convencer meus colegas a gravar alguma coisa nova. Alguma coisa realmente contemporânea. O Marceleza tem suas idéias, quer trabalhar novidades, novos arranjos e melodias. Eu admiro isso artisticamente, estou na mesma sintonia só que tendo que criar do nada muitas canções para que duas ou três sejam do Maskavo. Não é fácil escrever uma música que perdure por muitos e muitos anos. O Prata conseguiu isso com Um Anjo do Céu, mas a música não é só dele. O Tato conseguiu isso com o Maskavo com Asas, e sozinho com Rindo à tôa e Xote dos Milagres. Eu também quero entrar nesse grupo e só trabalho pensando nisso. Compus em parceria Folhas Secas, Ela, só Ela, É muito melhor e Quando o sol nascer, por exemplo. Mas essas canções não chegaram lá no topo e isso é uma lição: não é coisa pra qualquer um mesmo fazer uma canção!
Só que eu não consigo convencer, principalmente o Prata, de que estamos perdendo tempo fazendo ensaios, meditando spbre canções inacabadas ou que não são tão boas. E como eu apostei no Maskavo, me sinto frustado com o resultado dos últimos anos. Nada gravado. A melhor música composta é do meu irmão, chama-se Alma de Gato, e não conseguimos gravá-la. É uma travassão incrível e eu cansei disso.
Sou uma força da natureza. E como tal, depois da tempestade ficará à calmaria. Eu vou me acalmar e que se dane esse Maskavo. Por mim, eu toco baixo.

quarta-feira, julho 16, 2008

Amy

Todos nós temos problemas. Um deles é que, em determinado ponto da juventude e você não sabe o que fazer por excesso de opções, nós queremos ser reconhecidos pelo nosso talento natural.
Amy, essa moça, tem uma forma de compor que é sensacional. É uma compositora nova que sabe se expressar; deve ser uma pessoa direta; deve dizer tudo o que pensa. Mas é fato que conseguiu compor algumas canções que apoiaram a ótima Rehab, a melhor música de 2007 escolhida pelo Grammy, a fazer de uma moça de 24 anos a melhor compositora de 2007. Isso é um sonho.
Mas a porra do mundo tem um quê de moderno que é degradante. Acompanhar a degradação, ascendência e queda, ruína eu diria, de uma moça tão talentosa é desumano. Com 24 anos eu estava começando no sonho e ela já está lá, com estandarte de qualidade na mão, sendo chicoteada no seu dia-a-dia normal que fica anormal de tanta bajulação e invasão. É impressionante como essa profissão paparazzi deu utilidade a algo que a cem anos atrás era impensável: saber as fofocas do vizinho.
Não leio uma única discussão decente sobre sua música ou capacidade natural de, aos 24 anos, escrever como uma pessoa que não é indiferente ao seu contemporâneo. Esse tipo de talento deveria ser apreciado, elogiado, incentivado... Amy.
Se eu pudesse, tinha escrito aquela canção dela YOU KNOW I'M NO GOOD. Além da sinceridade na letra ser uma navalhada no coração ainda contém o improvável: se culpar pelo fracasso de alguma coisa. Ela se engana como sempre fez. Ela disse que é problema, você sabe, ela não é flor que se cheire...
Tomara que ela siga até os 27 glamorosos anos e depois siga em vida.

terça-feira, julho 15, 2008

O produtor democrático

Cá estou eu fugindo do frio estomacal tomando chá olhando de canto do olho a janela... esse azul vespertino celeste que neutraliza a feiura do cinza automotivo que se mescla à secura deste inverno paulistano. A lua já intervém na paisagem e brilha prateada no meio deste azul claro e o amarelo do sol refletido no amarelo do edifício recém construído à frente de onde estou sentado me tirou daqui e me levou a uma onda de viagens.
Lembro da primeira vez que me propus a gravar com uma banda alguma coisa. Foi um desafio feito por uma professora chamada Solange cujo objetivo era incentivar alguém da sua turma a participar do show de talentos da escola de inglês que eu estudei e me formei. O desafio me pareceu satisfatório: gravar duas músicas com uma banda de integrantes da escola de inglês e depois torcer para ser selecionado para o talent show. Eu, meu irmão gêmeo, o Cássio, o Vicente, o Carlos, um outro que eu esqueci o nome e com o Cláudio na bateria, que não era aluno, formamos o The Hugos e resolvemos tocar os hits do momento grunge: Pretend we are dead, do L7; e Suck my kiss, do Red Hot Chilli Pepper. Fomos gravar depois de meros dois ensaios no estúdio Lochness, na 702 norte. Um lugar bom pra se fazer um estúdio; de costas pra uma oficina, em cima de uma oficina, cercado de oficinas que de dia faziam muito barulho e que de noite soavam como os grilos ou como um vento do agreste solitário. Quando eu vi pela primeira vez uma potência de baixo eu, com meu tonante azul, resisti ao máximo colocar aquilo tudo no máximo e explodir o estúdio todo. Eu apenas liguei o baixo e vi que não era possível fazer tamanha barbárie sonora com aquele pedação de amplificador. Seria ruim.
Daquela banda eu, meu irmão gêmeo e o Cássio enveredamos, profissional, amadora, platônicamente, pelo ramo musical.
A gravação foi ao vivo e eu não me lembro muito bem e nem tenho registros que me remetam aquele tempo, mas eu lembro de ter sido bom saber que poderíamos desempenhar qualquer coisa de primeira. Aquele sentimento só veio a crescer com o tempo e já no The Sounders ou no Os The Ev eu ou eu e meus comparsas já enveredávamos pelo ramo da produção de músicas, de demotapes, de sonhos em 4 canais.
O The Hugos gravou em Adat de 8 canais, um luxo pra época e pro dinheiro investido, e nos deu passe pra tocar no show de talentos. Com muito orgulho e ansiedade nos preparamos para o evento afim de não darmos mancada com a Solange. Eu não mencionei que ela era a diretora da Thomas Jefferson da Asa Norte na época, pessoa austera, cara de brava, muito inspiradora e correta, muita gente tinha medo dela. Eu tive a oportunidade de enxergar além das aparências e da juventude perturbada, do terror implícito na autoridade e conheci uma pessoa que me fez acreditar no sonho, porque até ali eu não tocava baixo e tinha planos de morar nos EUA. Eu era um menino de 15 anos.
NO mesmo ano fui convidado para entrar em uma banda de metal porque eu tinha um baixo. Aceitei pela experiência e porque tinha uma amiga minha na banda que tocava bateria. Esta banda se chamava Heresy e também gravou um ensaio ao vivo no estúdio caverna. Outro dia meus irmãos estavam revirando fitas K7 e ouviram a música... deram muita risada porque o lance era sério mas nós éramos muito novos para fazer aquele tipo de som raivoso. O riff era legal no entanto. Essa banda era da escola. Depois esse povo doido me ligou uma Sexta-Feira de noite e me perguntou se eu tinha um baixo. Desconfiei que baixistas eram figuras raras na época, concordei que eu tinha um baixo e um amplificador. Melhor! Menos dois problemas. Tem um show numa feira do Lago Norte, na quituarte, o cachê é comida e tocaremos... 30 músicas; de The Beatles a Rita Lee, Roberto Carlos a Genival Lacerda. Eu tinha uma namorada que não me dava muita bola, não me levava a sério na época então topei o lance de cara. Tirei metade das músicas e o resto eu improvisaria... uma pena que não teve registro desse show. Lindo, leve solto. Viramos uma banda depois disso: The Sounders.

sexta-feira, julho 11, 2008

Vida em São Paulo

Percebo que os cinco anos em que eu vivi na cidade de São Paulo serviram apenas para desacelerar o descompasso da juventude e não foram muito inspiradores de beleza em si e nem por si só. Foram anos muito solitários e de um tipo de aprendizado estranho que não aparece em nada do meu trabalho autoral. Eu morei em São Paulo, sou paulistano de nascimento mas o que eu suguei da experiência foi diluído na efervescência dos shows e das viagens e dos check ins de hotéis e aeroportos, ou seja, São Paulo foi um porto provisório de ilusões e quedas na realidade alternativa urbana metropolitana paulistana.
A cidade tem tudo o que se espera da maior cidade do país e concentra no seio de seu bairrismo a diversidade que contribuí para fazer de São Paulo um labirinto enigmático de procura por tudo o que há de bom repetidamente. É padaria, é loja de utilidade, é loja de produtos importados, representantes de roupas, grifes famosas, prostíbulos de luxo, avenidas, marginais e pontes.
Por uma questão misteriosa entre sorte e oportunidade acabei indo morar com o resto do Maskavo na região Oeste, na Pompéia, que na minha mente era o berço do rock paulistano, Mutantes, Made in Brazil, Tutti Frutti, etc, em um quarto, uma edícola nos fundos da casa do Felipe e da Lu, amigos do Dudu. Os dois foram pessoas fundamentais e hospitaleiras e nos mostraram, em essência, as dificuldades de se estar querendo uma vida burguesa por aqui. Aluguel caro, custo de vida caro. No fundo, eu era sortudo de poder dividir isso com a banda porque, do contrário, a labuta teria sido muito maior e de outro formato, com outra cara. Não havia glamour, não havia música tocando na rádio que fosse do Maskavo, havia uma chance de fazer o esquema dar certo com uma certa pessoa no Rio Grande do Sul. Isso! Havia uma grande esperança.
Fazia tanto frio como está fazendo em 2008. Fazia até mais frio e com o meu primeiro cachê comprei um edredon da Zêlo que me acompanha até os dias de agora. Minha tia Suely me emprestou dois cochonetes e eles foram muito usados por mim e por todas as pessoas que abrigamos durante os 5 anos de Pompéia juntos. Isso! Também abrigamos todas as pessoas que pediram, precisaram e quiseram com fé mudar de Brasília para São Paulo. Ou de São Leopoldo para São Paulo. Abrigamos assim como fomos abrigados. Um ciclo de gentilezas.
Comi durante meses em um restaurante bastante humilde que batizamos de R$2,80 porque você almoçava arroz, feijão, alface, tomate, cebola, bife de boi ou de frango, farofa por esta quantia. Eu lembro de subir a Barão do Bananal tantas vezes para lá ir comer rapidamente o rango, tomar um café expresso e voltar para aquele sonho de ser bem sucedido no meio musical. Na volta, eu parava na loja de discos usados do Marcelo e comprava vinis ou cds por um real, dois reais, as vezes eu me dava ao luxo de pagar vinte reais e levava algo para destruir em meus neurônios jovens e joviais.
Foi uma das poucas épocas da minha vida em que eu não tinha um livro por semana na cabeceira da cama ou na minha mala. Eu me dei um tempo para digerir tudo o que eu havia lido e também para emburrecer meu racionalismo e ceticismo.
A única pessoa que chegou próximo de ser minha namorada foi uma excelente menina, uma japonesa da pele morena, chamada Babi. Mas eu viajava tanto, tanto e tanto que minha energia para um relacionamento era fraca e meus nós eram fracos, assim como o meu caô. Eu era um bom amigo, no entanto. Uma boa pessoa para ir no Venice ou no América, acompanhar para uma farra privê no Brancaleone as minhas amigas ou simplesmente sentar no bar e beber e chorar as mágoas até amanhecer. Fiz o método do viciado: comprei uma planta e me propus a cuidar dela até estar pronto para ter um animal. A planta viva seria um sinal de que eu consegui cuidar dela. Depois de nove meses a planta morreu e eu vi que não estava pronto pra Babi. Nem pra nenhuma menina.
Dirigir em São Paulo não é um mistério. Tampouco é perigoso ou opressor. Eu curtia esse sentimento de grandeza daqui. Curtia. Hoje acho desgastante cruzar algo que demora muito para ser cruzado de carro. Prefiro dirigir em Brasília.

terça-feira, julho 08, 2008

O que faz falta

Sexta-Feira, assistindo a uma das semifinais do torneio de Wimbledon, Federer vs Safin, lembrei de ter pensado que eu estava sentindo necessidade de escrever uma canção que estava na eminência de ser escrita, ou seja, eu estava quase completando o caminho daquela canção. O meu processo criativo é abstrato e muito diversificado. Não sou uma pessoa metódica e meu tipo de organização mental é um cabo de guerra entre lembrar e esquecer coisas porque antes de lembrar ou esquecer de algo eu preciso viver. Sentir, cheirar, ouvir, olhar, agir. Tenho um caderno onde vou anotando tudo o que eu crio sem economizar páginas, linhas e nem tinta de caneta. Eu anoto tudo como se entrasse em transe e não me censuro por escrever frases prolixas ou com rimas óbvias.
Quando eu pego o violão, a minha idéia de começar uma canção não existe, apenas a intenção de juntar acordes bonitos com ritmos que ecoem harmonicamente na varanda da minha casa. A acústica do lugar me ajuda a escolher acordes e notas que vibram melhor do que outras. Mas não escrevo nenhuma linha quando toco violão. Eu ouço o balangar das folhas do coqueiro anão ao sabor do vento quente de Julho, o piar do bem-te-vi e das rolinhas e ararinhas verdes me encantam, o zumbir dos poucos automotores que circulam pelas vias secundárias do Lago Norte e meus olhos nunca se cansam de olhar o belíssimo azul celeste que contorna o telhado de minha casa. É muito lindo tocar violão e sentir tudo isso ao mesmo tempo descalço na varanda de casa.
Converso muito com meus irmãos e com minha mãe. Eles são muito antenados e interessados pelo cotidiano das coisas e o que conversamos muitas vezes são os temas das canções que eu vou escrevendo. As vezes, estou assistindo televisão e de uma frase na tela eu crio um título e uma idéia completa sobre algo para depois escrever sobre.
Não escrevo canções no computador. Apenas este jornal. A única música que eu fiz assim não é muito boa. Ela ficou boa depois que eu tirei ela do computador e coloquei-a no papel e, assim, pude visualizar o meu trabalho e as rimas e a cadência das letras.
Faz muita falta não ter onde mostrar tudo o que produzo experimentalmente como forma de fundir essa vontade de criar com a vontade de fazer destas criações algo mais do que elas são, algo a ser colocado à prova de fogo dos egos e, quem sabe, esses egos não consigam destruir a sua obra com seus olhos de cobra.
Daí juntar as palavras com as melodias que eu crio em separado se torna um enigma cerebral que eu trabalho dirigindo meu carro de lá pra cá ou bebendo distraidamente numa festa ou meditando no silêncio do meu quarto. Aparece aquela matrix no meu córtex cerebral e eu vejo as partes do meu trabalho se colando umas as outras até que eu chegue a alguma coisa concreta. Uma letra que combina com uma melodia... interessante.
A última canção que eu fiz saiu totalmente ao contrário. Eu estava assitindo ao jogo de Wimbledon, peguei o caderno e escrevi sobre Daniel Johnston em mim, uma interpretação do dizer real, escrever realmente sem mentir nem para si mesmo e sem poesia ou firulas que embromem o sentido da letra da canção. Escrevi sobre ódio, amor, decepção... não ficou bom. Daí, eu virei a página e resolvi escrever sobre o que me faz falta hoje em dia. Escrevi minutos sem tirar a caneta do papel e meus olhos das letras e minha mente de mim mesmo. Era uma epifania linda. Saiu uma bela letra quase pronta. Meditei sobre minha coleção de melodias e saquei o violão. Uma coisa não colou com a outra. O que foz? Criei uma melodia na hora, fui dando forma as rimas e laborando as palavras, trocando rimas pobres por ricas e detalhes fotográficos e palavras-chaves, etc... toquei umas 10 vezes e chamei meu irmão. Ele gostou, o refrão é realmente muito sincero e eu fui muito sincero comigo ao descrever o que eu sinto mais falta hoje em dia. Gravamos uma versão comigo cantando e tocando vioção e ele tocando baixo. Ficou bom. Ouvi a canção umas 20 vezes sem parar. Gostei. Toquei ela pra namorada do meu amigo de noite aqui em casa. Não sei se ela gostou. Meu amigo achou boa. Minha mãe me pediu para aumentar a letra da canção.
Faz falta ter uma voz melhor para cantar.

terça-feira, julho 01, 2008

Marília

Eu acabei de lembrar do cheiro de biscoito que havia no ar perto da minha casa em marília. A fábrica da Marilan estava situada no alto do bairro Jardim Itapuã na beira da rodovia. E eu morava na quarta rua à esquerda da torre de energia elétrica a uns poucos quilômetros da boca do extinto vulcão que existia por ali que, ao explodir, formou um belíssimo vale que hoje é uma fazenda universitária. Do alto do bairro vinha aquele cheiro, eram vários tipos de cheiros que remetiam a vários sabores de biscoito encontrados nas prateleiras dos supermercados. Cheiro de biscoito de maizena, parece doce como leite fervido no ar. Os biscoitos de morango, chocolate, creme, etc, eram ótimos de se respirar também cada qual com sua nuance, o de morango era como nota musical e o de chocolate um convite ao sono mais profundo. A cada duas horas vinha um cheiro diferente daquela fábrica e ele adentrava as janelas de todas as casas do bairro... e quase não haviam árvores nas ruas ou crianças brincando por esses cheiros mágicos. Um hora eu acostumei com o cheiro, mas sempre que voltava de alguma viagem o odor da fábrica as 6 da manhã já me mostravam o caminho de casa, o rumo a seguir ao meu descanso merecido.
Aprendi o que sei de culinária descascando legumes, temperando carne e frango, fazendo risotos e deixando de molho feijão. Refogar era um mistério que hoje se resume a alho, cebola, azeite. Molho de tomate bom é feito com tomates frescos sem sementes, sem pele, bem picados e cozidos no refogado com pimenta do reino, sal, noz moscada e shoyo. Etc.
Tinha uma loja de cds no supermercado Tauste chamada Cd Mais onde trabalhava o Admilson. Excelente pessoa, me sugeriu muita música boa e me deu o primeiro disco do Jaco Pastorius que eu ouvi na vida além de me vender um ótimo Ravi Shankar e um álbum duplo do John Mayall. Eu ia no supermercado quase todo o tempo em que estava em casa então eu falava com o Admilson todo o tempo. Na loja ainda tinham o Spock e o Lucas. A dona era a Patrícia. Ela me deu muitas dicas sobre como criar filho homem. E me deixava comprar cds com prazo de 15 dias. As vezes eu não sabia o que fazer naquela calmidão toda então eu ia falar com o Admilson e ele sempre tinha algo bom pra me mostrar. Se eu gostasse, comprava. Erik Satie, Duo Assad, Villa-Lobos, Carlos Gardel, Caetano V., Vinícius e Toquinho, Clara Nunes, essa era a minha trilha sonora que eu dividia com minha mulher enquanto cozinhávamos todos os dias a nossa refeição. Era muito bom e ela cozinhava melhor do que eu. Depois do almoço vinha aquele cheiro de biscoito e ficava tudo legal. Não tinha t.v. à cabo ou internet 24 horas.