Demorei mais de um dia pra me recuperar do baque que foi ver o atual prefeito, ex-vice-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab explodindo seus nervos, preconceitos e medo contra um senhor desempregado que resolveu protestar miudamente em um posto de saúde sobre a situação dele e de muitos outros cidadãos desrespeitados, isolados, sem recursos e meios e tempo e muito mais, integridade social, sobre a demora do atendimento e a qualidade do posto de saúde em si. Todos nós brasileiros não precisamos mais saber, é fato que a saúde no Brasil é uma pouca vergonha. Vergonha que este senhor teve que passar na frente de seu filho de 7 anos, vergonha que desanuviou nas lágrimas do senhor depois do ocorrido. O senhor...
Gilberto Kassab aproveitou-se da lei da vantagem. Popularmente conhecida no futebol, a lei da vantagem é aquela onde a bola permanece em jogo depois de uma parada de jogada, mas que permanece nos pés de alguém que é do mesmo time, permanece com a bola e por isso pode continuar o lance, principalmente se for algo como perigo de gol. Protestar em local público é legitimizar a democracia e como Gilberto Kassab parece não entender esse conceito, ele resolveu, claro que amparado por seguranças, agregados políticos, expulsar aos gritos de "vagabundo!" e puxando o senhor "Kaiser" pelos ombros, braços, pela manga da camisa, escurraçando-o do posto de saúde. Não foi aplaudido pela multidão, o prefeito. Não foi ovacionado. Não foi nem agredido verbalmente, de fato. Gilberto Kassab foi, literalmente, um filho da puta de um burguês mal-intencionado que, usando a carapaça de um cargo público sério, resolveu ser o justiceiro dos paulistanos. Bom, Gilberto Kassab, os paulistas e paulistanos não votaram em você. O pior sítio eleitoral do país, o mais absurdo, o mais cínico e hipócrita dos celeiros eleitoras tem seu prefeito, assim como o Rio de Janeiro tem os justiceiros, querendo provar que é macho. Não é macho e não fez a coisa certa, Gilberto Kassab. Você humilhou um cidadão necessitado. É o oposto do que deveria ser feito. É justamente a clareza das imagens do prefeito perdendo o controle, perdendo também a compostura e dignidade, que representam para todo o país o imaginário paulista: prepotência, ignorância total e superficialidade. Gilberto, ainda bem que o metrô caiu sob seu mandato. As mortes são 7 pequenas histórias como a do senhor Kaiser, que estava no lugar certo na hora errada, e pedir desculpas não será nunca de bom tamanho pra mim. O Brasil cai e cai na desgraça global. Mas calma lá. Estamos em total desgraça aqui!!!
Democracia. O prefeito de São Paulo fere até agora o direito do cidadão de protestar porque é a liberdade de expressão uma das ferramentas de inclusão social e de desalienação da informação. A democracia deveria aplaudir pessoas que apontam verdadeiramente a verdade das coisas. Postos de saúde, e eu fui a alguns deles nos últimos meses, são locais onde trabalham pessoas dispostas a enfrentar diariamente as reclamações de seus usuários porque falta muito, senão quase tudo, para que se possa chamar o local de atendimento de um posto. Na real, é quase isso. Meu filho quase não tomou uma vacina importante em Marília, interior de São Paulo, e foi uma ameaça da minha esposa de ir aos orgãos de imprensa que acelerou o processo. Isso é bom e isso tem um lado ruim. O lado ruim é que só temos coragem de reclamar na frente das câmeras e são as próprias câmeras hoje que flagram os deslizes de artistas, políticos e de quem mais atravessar o seu caminho. Silêncio.
....um dia depois...
"Vagabundo" diz que trabalha desde os 10 e que votou na chapa Serra/Kassab
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL (Folha Online - http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0702200717.htm )
Ainda com dor de dente, o microempresário Kaiser Paiva Celestino da Silva, 47, disse que perdoa o prefeito Gilberto Kassab (PFL), que anteontem enxotou-o de um posto de saúde em São Paulo, xingando-o de "Vagabundo, vagabundo".
Kaiser recusou a ajuda em dinheiro oferecida por um programa vespertino de televisão. "Eu sou trabalhador, não aceito esmola", disse no ar. Em vez disso, ofereceu-se para adesivar e pintar o ônibus da emissora de TV -remuneradamente, é claro, "porque senão vicia o cidadão", disse, citando.
Na casa da rua Cecília Calovini, na Vila Zatt, que Kaiser divide com a mulher, Lúcia, com os filhos Samuel, 7, e Maiara, 5, e com a oficina de cartazes praticamente desativada desde o final do ano passado, por causa da Lei Cidade Limpa (que restringe a publicidade exterior), o aluguel está atrasado. Credores são driblados à custa de empréstimos de vizinhos e parentes. Também a igreja evangélica Cristo Centro dá uma força.
Anteontem, nem era para Kaiser ter ido ao posto de saúde Pereira Barreto, bairro de Pirituba, onde o prefeito Kassab inaugurava uma unidade de assistência médica ambulatorial. Quem costuma levar as crianças ao médico é Lúcia. Mas a mulher tinha outro destino -conseguir alguém que ajudasse nas contas de água e luz, antes que as concessionárias cortassem o fornecimento.
Sobrou para Kaiser levar os potinhos com fezes e urina das crianças ao posto, conforme pedido médico de 31 de janeiro. Aproveitaria para pedir que algum dos dentistas extirpasse o dente do ciso do lado esquerdo, inflamado e latejando. Não foi atendido (encaminharam-no para outro posto, na Vila Zatt, onde ele está cadastrado).
Kaiser estava confuso, sob efeito de calmantes, quando falou à Folha, mais de 24 horas depois do "Vagabundo, vagabundo". Na pizzaria vizinha, o funcionário conta que viu quando o homem chegou em casa, "chorando como criança".
Líder comunitário, ex-membro do conselho do parque Rodrigo de Gasperi (perto de sua casa), diplomado em cursos de responsabilidade social no terceiro setor, Kaiser diz que votou na chapa José Serra/Kassab em 2004. "Foi o meu filho Samuel que, na cabine indevassável, digitou o número 45", conta. O menino aprova.
O mesmo Samuel acompanhava Kaiser anteontem no posto de saúde. Assustado com a gritaria, o menino escondeu-se atrás de um poste do outro lado da rua. Ontem, Samuel se lembrava da primeira coisa que disse ao pai, depois do incidente: "Pai, por que ele chamou você de vagabundo?"
"Isso é o que mais dói. Eu trabalho desde os dez anos", diz Kaiser, órfão de pai e mãe que ajudou a criar os cinco irmãos menores.
Logo depois da confusão, a prefeitura soltou uma nota oficial em que dizia que Kaiser estava no posto de saúde Pereira Barreto só "para tumultuar", já que ele e seu filho "são cadastrados na Vila Zatt". Ontem, a assessoria de imprensa da secretaria da Saúde admitiu que os filhos do microempresário são pacientes do posto de saúde Pereira Barreto.