A fumaça e o perfume do incenso pairam no ar. Plural mistura com o tabaco que exala de meus pulmões e narinas. Me prendo nas idéias que estão comigo no agora. Cuba, charutos, meu filho e minha esposa, a música de Ravi e Coltrane, tudo isso chegará ao encontro definitivo do ser. O silêncio me veio como um desejo indesejável por entre os vácuos do meu pensamento. A música misteriosa que toca em meu coração é um tema da Índia, um tema que só me traz notícias sobre nascer e viver. Minha Nanah é o tema que leva a sinfonia, a harmonia que gera o que chamei de risco, meu risquinho. Hoje é meu aniversário e talvez o silêncio seja apenas uma palavra que eu goste, mas goste tanto de escrever que eu recorro à sua idéia de estar presente tanto quanto me ocorre a idéia de não-estar nem aqui.
Tudo na minha vida tende a se tornar um exagero do auto-controle. O limiar da sanidade e da revelação, da tarefa diária que é sofrer por sofrer e não duvidar daquilo que viaja além do que pensamos achar certo ou visível é minha forma de rebeldia. Pois sou um filho que pretende ser um pai com algo para doar além do amor incondicional e da paixão que me incendeia todos os dias desde que vi Ravi em meus sonhos. Estou procurando um poema não escrito mas que urge para ser recitado. Estou ouvindo uma composição especial de um mestre maestro para um mestre espiritual roqueiro e os tambores se misturam às cítaras e ao som do violão de outro deus da guitarra. O que significa mantra? Quantos mantras estão presentes em uma cítara ou em um violão que ainda não foram tocados?
Existe uma forma de vencer o jogo da vida na forma de algum filme com efeitos especiais ou de algum livro de auto-ajuda mais em forma de romance do que na forma de um guia. Existe um jeito de ouvir música que ultrapassa os limites do tempo, das notas em si para que o espírito da música preserve sua natureza e encante o momento em que toca. Muitas vezes dirigindo pelas ruas de São Paulo me flagrei ouvindo a rádio de rock clássico cantando canções super relevantes aquele momento. A última experiência foi a pouco tempo dirigindo depois de levar meu irmão mais novo ao trabalho. Na volta pra casa da minha avó tocou Riders on the Storm, The Doors, e Subdivisions, Rush, em seqüência e o programa era montado baseado em emails de gente como eu, fã de música. No carro, cerveja ao colo e um sentimento, uma emoção enorme de saudades de casa, me levei a flutuar pelas avenidas, pontes, ruas e overdrives de Sampa. Gosto muito de lá quando é noite para dirigir e apreciar as luzes.
O incenso passa da metade e invade a sala e uma parte da cozinha, progride em sua essência pelo corredor da casa, aromatiza um pouco cada quarto e depois se dissipa pela janela até virar um fiozinho para o vizinho. Um fiozinho une muitas coisas aqui na minha casa tamanho é a paz que alcançamos depois de desatarmos muitos nós pesados da existência terrena e da experiência que é envelhecer junto de alguém e manter jovem a essência daquilo que chamo amor. O Amor. A amizade é um arame farpado em todos os sentidos e fere, machuca e só existe se for feito de um excelente material humano onde o ferro dos arames é de parar touro de quinhentos quilos. Tenho uma queda pelo existencialismo de Nietzsche mas já superei muitas das suas cruzadas sem nem mesmo tê-lo lido até os vinte e seis anos. Hoje eu sei disso mais do que ninguém e faz parte de SER saber coisas que mais ninguém sabe ou entender de si melhor do que qualquer psicólogo ou santo poderia entender. É uma cruzada no sentido menos católico possível, seria mais uma palavra cruzada para tirar a atenção do que é realmente importante.
Para mim é importante a presença em tudo, como tocar o horizonte com a ponta dos meus dedos ou dedilhar trezentas notas por segundo e deixar que as emoções e meus pensamentos diluam-se em nada mais do que impulsos elétricos inócuos em meu corpo. Onde o que é importante na alma é deixar de lado a Matrix e as lendas da Idade Média, deixar de ser a bateria a ser consumida, e transmutar para um filtro infinito de energia potencial, doadora e limpa energia, passando de objeto vampirizado à hidrelétrica da Vida. Para isso é necessário encontrar o Rio da Vida, e minha vida tem um rio e agora está produzindo e renovando a energia do lar sem danificar ou prejudicar a natureza, famílias, sem reciclar pois não sou poluente e fluindo com o terreno, uma hidrelétrica invisível adornada por Jequitibás.
Já é metade da manhã e a música deixou de contrastar com o ambiente. O incenso acabou e remete ao finit; o agora tem outro sentido, é hora de voltar ao trabalho.
A vida do brasileiro está submersa em taxas, notícias repetidas de problemas sociais e sobre o debate da educação para desenvolvimento humano no plano da diminuição da violência e propagação da mesma nos mais interioranos recantos do Brasil. Foi atravessando a ponte que liga Foz do Iguaçu a Ciudad del Este, uma ponte enorme que cruza o rio Paraguai tomada por carregadores, sacoleiros, carrinhos de mão, motos das mais diversas origens e vans que me caiu uma ficha. Uma ficha que caiu para mim como uma luva para o médico cirurgião, uma ficha sobre pobreza e miséria e consumismo na fronteira humana, fronteira entre o que é o Brasil e o que é o Paraguai. O Brasil, de acordo com a irmã de um grande amigo, é o produtor da raça mais trabalhadora da América. Ela disse que, em se tratando de horário, os brasileiros são pontuais; em se tratando de idéias, somos práticos. Em se tratando de beleza; únicos; e em se tratando de educação, honestos. Poxa, um povo honesto e educado que vive desejando Educação. No Paraguai, entrei em contato com outro tipo de gente? Nada disso. Tirando o assédio intermitente de ambulantes pelas quadras de Ciudad del Este, tirando a pirataria igualmente exposta nas ruas como nas do centro de São Paulo, tirando a educação de todas as pessoas que me atenderam, o Paraguai me mostrou uma imagem comum de gente trabalhando, andando pra lá e pra cá, mostrando um enésimo de seus verdadeiros talentos e comercializando sonhos materiais voláteis. Me vi repetindo cenas de filmes, de comerciais, de outdoors, uma imagem horrorosa da realidade e desejo seriamente que as coisas melhorem aqui no Brasil. Os juros só precisam abaixar. As taxas e impostos também. O valor do dinheiro real tem que ser Real. O dólar 2x1 é uma mamata se um barbeador custa 60 dólares ou um aparelho de Dvd 50 dólares e um perfume Givenchy 45 dólares. A riqueza material só tem sentido se a Educação almejada for alcançada.
Com o governo Lula a classe média brasileira pagou calada pelo desenvolvimento social que é a única forma de mudança real da mentalidade brasileira. O que chamam de pobreza e miséria não diminuiu no país, o nível de violência também não diminuiu. Ou será que as notícias já não são mais notícias? Falta ao governo uma mudança estratégica para o desenvolvimento. Minha dica é usar dinheiro privado ao invés de ficar leiloando concessões públicas para movimentações financeiras seguras no país. Esporte, Educação e Saúde podem e devem ser estatais financiadas por indústrias de peso, empresas particulares com interesses reais nestas áreas. Dinheiro para educar e cuidar e salvar. Usar impostos para gerar altos orçamentos é o buraco negro do Brasil. E os gringos torcem muito pra que nós falhemos, mas não é possível que deixemos isso acontecer. E a classe média brasileira está enfraquecida com a idéia de ir embora, ganhar em euros lavando pratos enquanto os estudantes franceses lutam por empregos mais seguros. A classe média está enfraquecida porque não consegue andar pra frente. E se a classe média sofre muito é nela que estará o motor de uma eminente mudança popular. Vide a história da Inglaterra, França, EUA e agora da Índia.