quarta-feira, agosto 02, 2006

Recife

Em Recife, eu já me dava conta de que habitamos uma grande fazenda. Onde as cidades se projetam com a eficiência e criatividade do povo brasileiro. A importância do povo em todo o trajeto de Aracaju à João Pessoa, o povo que habita as encostas e beiras de estrada. As enconstas são todas plantadas de cana, até a linha do que seria um acostamento, mas não é. É chão, cascalho. E as crianças pedindo um dinheiro na estrada? Acho que só tinha visto coisa tão triste na vida em Porto Alegre, uma cigana que tentou me enrolar dizendo coisas sobre mim tão passíveis de acerto - eu tenho um problema? Estou com problemas de dinheiro? Alguma coisa me incomoda! - Ela, a cada acerto, me dava mais pena. Uma tristeza sem dó. E depois me pediu tudo o que eu tinha na carteira pra fazer uma reza e me proteger. O dinheiro? Ele viria depois, em dobro! Pô, minha cigana, eu disse à ela que aquele era meu único dinheiro, que se tudo o que ela dissera era verdade, eu precisava economizar e não fazer mandinga. Ela ficou muito irritada comigo. Uma tristeza só se isso fosse a minha realidade. No final, fui menos que um homem e acabei dando metade do que eu levava. Estava frio e ela estava só com três crianças no abrigo dos trapos dela...
Uma hora na viagem, eu pousei levemente meu olhar em uma daquelas casas de barro. Sempre me fascinou a simplicidade da vida no sertão. O aproveitamento de todos os derivados da terra e dos animais e vegetais. A comunhão com um Deus que só existe lá, é um Deus do sertão que tira tudo o que é subnecessário e deixa apenas a enxada, os bodes, um roçado, uma árvore frondosa no meio do nada pra descansar. Fumar é tudo no sertão. Fomos recebidos pelo pessoal da banda Iup, está lá no trama virtual, pessoal gente fina que, muito novo, resolveu ir pra São Paulo tentar a vida como músicos. O mais velho conta contava com 21 anos. Eu achei aquilo muito ousado da parte deles, o tal espírito valente que eu admiro em Lampião. Mas lá me disseram que o tal chapéu de couro, daqueles grandes mesmo, não se vê mais. É folclore. E eu querendo comprar um pra usar no show em homenagem à Lampião. Tocamos em um armazém na beira do rio muito velho. Um teatro adaptado nas ruínas. Um lugar muito estiloso, alto e com uma acústica ótima. O pessoal que produziu o show era muito jovem, conversou bastante e disse uma coisa que eu acredito: é impossível ganhar uma verba pública através da Lei de Incentivo à Cultura se o projeto, a música ou a banda não tiver zabumba e pandeiro. a gente riu da nossa desgraça pra caralho! O show, de noite, foi marcado por uma ameaça da bandidagem, os caras estão ficando cada dia mais corajosos. Um grupo de 15 ou 20 manos resolveram que a festa ia custar mais barato e que o lance lá dentro era deles. E que a festa seria de Rock. Põ, aí, não rolou nada disso. O baixo astral feminino permaneceu até que tocamos a quinta música do set-list. "É muito melhor para nós dois deixar o tempo andar...", daí um dos manos, e eu sou craque em leitura labial, disse lá longe pro outro: mano, isso aqui é reggae. Vamo nessa. E todos foram embora. Claro, o prejuízo da festa ficou nas costas dos jovens da Iup e da gente, que foi fazer esse show na parceria. Viva os bandidos, né?
Depois disso o show virou um sucesso nordestino. Já comentei que nosso reggae foi bem recebido por lá pela similaridade com o forró? Nada a ver o tema das letras ou os arranjos, mas o ritmo do bumbo, a levada do baixo na frente e a melodia de voz sussurrada. Pô, maior tesão! O show ficou leve, as meninas foram se acalmando e os cuecas que lá estavam, centenas inclusive, cantando todas as músicas, dançando com as namoradas e depois pedindo autógrafos. Foi massa estar em Recife, mas os contrastes lá são dignos de São Paulo e Rio de Janeiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário