Sexta-Feira, assistindo a uma das semifinais do torneio de Wimbledon, Federer vs Safin, lembrei de ter pensado que eu estava sentindo necessidade de escrever uma canção que estava na eminência de ser escrita, ou seja, eu estava quase completando o caminho daquela canção. O meu processo criativo é abstrato e muito diversificado. Não sou uma pessoa metódica e meu tipo de organização mental é um cabo de guerra entre lembrar e esquecer coisas porque antes de lembrar ou esquecer de algo eu preciso viver. Sentir, cheirar, ouvir, olhar, agir. Tenho um caderno onde vou anotando tudo o que eu crio sem economizar páginas, linhas e nem tinta de caneta. Eu anoto tudo como se entrasse em transe e não me censuro por escrever frases prolixas ou com rimas óbvias.
Quando eu pego o violão, a minha idéia de começar uma canção não existe, apenas a intenção de juntar acordes bonitos com ritmos que ecoem harmonicamente na varanda da minha casa. A acústica do lugar me ajuda a escolher acordes e notas que vibram melhor do que outras. Mas não escrevo nenhuma linha quando toco violão. Eu ouço o balangar das folhas do coqueiro anão ao sabor do vento quente de Julho, o piar do bem-te-vi e das rolinhas e ararinhas verdes me encantam, o zumbir dos poucos automotores que circulam pelas vias secundárias do Lago Norte e meus olhos nunca se cansam de olhar o belíssimo azul celeste que contorna o telhado de minha casa. É muito lindo tocar violão e sentir tudo isso ao mesmo tempo descalço na varanda de casa.
Converso muito com meus irmãos e com minha mãe. Eles são muito antenados e interessados pelo cotidiano das coisas e o que conversamos muitas vezes são os temas das canções que eu vou escrevendo. As vezes, estou assistindo televisão e de uma frase na tela eu crio um título e uma idéia completa sobre algo para depois escrever sobre.
Não escrevo canções no computador. Apenas este jornal. A única música que eu fiz assim não é muito boa. Ela ficou boa depois que eu tirei ela do computador e coloquei-a no papel e, assim, pude visualizar o meu trabalho e as rimas e a cadência das letras.
Faz muita falta não ter onde mostrar tudo o que produzo experimentalmente como forma de fundir essa vontade de criar com a vontade de fazer destas criações algo mais do que elas são, algo a ser colocado à prova de fogo dos egos e, quem sabe, esses egos não consigam destruir a sua obra com seus olhos de cobra.
Daí juntar as palavras com as melodias que eu crio em separado se torna um enigma cerebral que eu trabalho dirigindo meu carro de lá pra cá ou bebendo distraidamente numa festa ou meditando no silêncio do meu quarto. Aparece aquela matrix no meu córtex cerebral e eu vejo as partes do meu trabalho se colando umas as outras até que eu chegue a alguma coisa concreta. Uma letra que combina com uma melodia... interessante.
A última canção que eu fiz saiu totalmente ao contrário. Eu estava assitindo ao jogo de Wimbledon, peguei o caderno e escrevi sobre Daniel Johnston em mim, uma interpretação do dizer real, escrever realmente sem mentir nem para si mesmo e sem poesia ou firulas que embromem o sentido da letra da canção. Escrevi sobre ódio, amor, decepção... não ficou bom. Daí, eu virei a página e resolvi escrever sobre o que me faz falta hoje em dia. Escrevi minutos sem tirar a caneta do papel e meus olhos das letras e minha mente de mim mesmo. Era uma epifania linda. Saiu uma bela letra quase pronta. Meditei sobre minha coleção de melodias e saquei o violão. Uma coisa não colou com a outra. O que foz? Criei uma melodia na hora, fui dando forma as rimas e laborando as palavras, trocando rimas pobres por ricas e detalhes fotográficos e palavras-chaves, etc... toquei umas 10 vezes e chamei meu irmão. Ele gostou, o refrão é realmente muito sincero e eu fui muito sincero comigo ao descrever o que eu sinto mais falta hoje em dia. Gravamos uma versão comigo cantando e tocando vioção e ele tocando baixo. Ficou bom. Ouvi a canção umas 20 vezes sem parar. Gostei. Toquei ela pra namorada do meu amigo de noite aqui em casa. Não sei se ela gostou. Meu amigo achou boa. Minha mãe me pediu para aumentar a letra da canção.
Faz falta ter uma voz melhor para cantar.
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