quinta-feira, outubro 08, 2009

Crônicas do Lago Norte

Dona I sempre se sentiu privilegiada. Morava na mesma casa onde criou seus filhos, onde conseguiu seu primeiro milhão de reais. Uma casa tão aconchegante quanto seria o útero de sua mãe, onde esteve um dia flutuando no plasma dourado do amor.
Acordou mais cedo, Dona I teve uma breve sensação de dever e foi olhar da porta da sala o seu quintal. Um quintal maravilhoso cheio de frutíferas árvores, flores, capim-santo, arbustos e rasteiras plantinhas verdes povoavam aqueles metros quadrados. Era o quintal onde todo dia de manhã Dona I pisava o orvalho descalça e sentia a energia do dia, do nascer.
Meses atrás uma bem-te-vi fez o seu ninho na mexeriqueira do quintal e ali teve três filhotes. Durante todo o processo Dona I acompanhou o maravilhoso crescimento dos pequenos bem-te-vis, aqueles biquinhos minúsculos aprendendo a comer, as cabecinhas começando a amarelar, o risquinho branco em forma de colar característico já estava lá, eles cantavam logo cedo na janela de Dona I, uma benção.
Olhar o pequeno bem-te-vi se exercitar, aprender a voar todos os dias era o prazer de Dona I. De manhã o bichinho vinha não sei de onde e pousava na máquina de execícios na varanda. E depois ele voava em tempo ritmado dali para a grade da porta e assim ficava, indo e vindo, batendo as pequenas asas, durante minutos seguidos até tomar coragem e voar para o nada de novo. E Dona I lembrou de uma conversa que teve ainda menina, sabe, os gatinhos quando nascem ficam sempre muito perto da mãe. Quanto mais eles crescem, mais a coragem os domina. Eles saem um passo, depois dois passos, depois um metro, depois seis metros e depois vão pra onde querem ir e as vezes não voltam mais. Foi nisso que pensou Dona I.

Nenhum comentário:

Postar um comentário