Vencedor do prêmio Nobel de literatura de 2010, o escritor peruano Mario Vargas Llosa disse que não são os reconhecimentos que movem o escritor. “Todo escritor sonha secretamente não receber prêmios e reconhecimentos. Sua ambição é mais desmedida: é ser um grande escritor”, afirmou, durante conferência sobre a cultura contemporânea na noite desta quinta-feira (14) em Porto Alegre.
“Desde que comecei a escrever, quis ser alçado a Victor Hugo, com 'Os Miseráveis', a Faulkner, trazer o deslumbramento indescritível que senti. Esse sonho me condena a uma permanente frustração, já que, se um escritor chega a ser um desses catedráticos que admira, isso ocorre quando já não está aqui”, afirmou.
O autor de "Pantaleão e as visitadoras" também confessou que sofre de insegurança quando escreve um livro. “Tenho uma grande angústia de que não vou conseguir acabar a história, especialmente quando começo um livro. Mas minha experiência mostra que, conforme vou fazendo, a insegurança diminui. Mas a parte que mais gosto é de reescrever, cortar, reorganizar. Mais que escritor, sou um reescritor”, brincou.
Questionado sobre o futuro do livro de papel a partir do avanço do e-book, Vargas Llosa disse que acredita no fim do livro de papel, algo que o preocupa. “O livro eletrônico é uma realidade, o de papel ficará anacrônico. O meu temor é que o eletrônico conduza, quase de uma maneira fatídica, a uma certa banalização da literatura. Como houve com a televisão, criação que, com o objetivo de chegar ao maior número de pessoas, trivializou os seus conteúdos”, disse.
Contra o fim das hierarquias
O autor criticou o fim das hierarquias, por considerá-lo prejudicial à cultura. Para uma plateia de 1,5 mil pessoas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Vargas Llosa comentou que, na sociedade atual, se tornou politicamente incorreto apontar os limites que separam os seres cultos dos incultos. “Hoje, somos todos cultos. Com os meios de comunicação de massa, temos inúmeras referências às milhares de manifestações da cultura universal, como a cultura da pedofilia, da maconha, punk, estética nazista. Agora, somos todos cultos, embora nunca tênhamos lido um livro, ido a um concerto ou a uma exposição de arte”, disse.
Para o autor peruano, apesar das boas intenções dos filósofos e pensadores “iconoclastas”, que pretendiam acabar com as elites através de uma popularização da cultura, o “remédio foi pior que a doença”. “Hoje, vivemos em um mundo em que não há maneira de saber o que é cultura: tudo é e nada é.”
Embora admita que “nunca houve tão poucos analfabetos, se editou tantos livros, se abriu tantos museus ou se pagaram preços tão altos para obras de artistas”, Vargas Llosa disse que a cultura é mais qualitativa que quantitativa.
“Há muita diferença entre especialização e cultura. Na época da especialização, as hierarquias desapareceram. Seria um erro atribuir funções idênticas às ciências, às letras e às artes. Por ter esquecido de distingui-las é que surgiu a confusão do nosso tempo em relação à cultura. Diferentemente da ciência, as letras e as artes não aniquilam o passado, constroem sobre ele, se alimentam dele. Velásquez está tão vivo quanto Picasso.”
Questionado sobre sua reação acerca do Nobel, anunciado na semana passada, Llosa brincou com a plateia. “Por que me deram não sei, tomara que tenha sido por meus livros. Espero que tenham me dado de maneira consciente e não casual. Mas não me queixo, estou muito feliz de ter recebido”, disse.
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