domingo, setembro 21, 2008

um sentimento constante de ir a nenhum lugar

ouço o som do avião a milhas de distância
ele me tira daqui, me coloca asas
lembro que hoje choveu e o ar ficou mais suave
senti o cheiro do alecrim no vaso
e o cheiro do banco de madeira úmido
minha infância revivi olhando os velhos brinquedos
os mesmos que estão nas mãos do meu filho
coisa boa, coisa das antigas, coisa de plástico bom
havia algo de duradouro no amor
ou na lataria de um carro antigo, ano 77 inclusive, havia amor
olho pra minha cópia de Rodin, não sinto nada
nada comparado a esse sentimento constante
de ir a nenhum lugar
os dias são diferentes por detalhes ínfimos
minha lente grande angular está cada vez mais angular
e grande
não percebe o plano astronônimo, nem o passar das horas
é tudo igual, é como o som de todos os aviões que passam
por cima de casa só o canto dos pássaros anuncia:
sabiá, bem-te-vi, ararinha-verde
o atrito dos pneus é um ruído que conflita com meu aparelho de som
chet baker, mel brown, dorival caymmi, joão gilberto, caetano veloso
no mesmo violão que abusei tocar, todas as cordas dedilhar
para que não seja ouvido
por nenhuma puta, nenhuma donzela, apenas por meus ouvidos
nesse sentimento constante
de ir a nenhum lugar
é só passar, passar, passar
está bom, vai melhorar, vai acabar
acendi um incenso indiano muito forte
impregnou a vizinhança toda e isso foi bom
era o que faltava para eu sair da cama e ir pra rua
comprar almoço e cerveja, chorar as mágoas do dia anterior
por que me sujeito a ser tolo? dizendo impropriedades
falsa esperança ou querência de retorno ao passado
já não mais aprendo indo confraternizar na família dos outros
pra que ficar sozinho falando bobagens na sala dos outros?


sei que uma parte de mim está como que perdida em uma floresta
outra parte está se encondendo na senzala, acendendo velas pros orixás
a terceira vive surfando mal no sistema financeiro
o eu quarto encontra felicidade na simplicidade de respirar bem
o quinto não fala, está mudo desde 2005
e descobriu hoje que adora ouvir música bem alto
nenhum deles, no entanto, suoera o dono da cerca, o eu paterno
este eu tem uma personalidade recente, porém ímpar
forte, paciente, ética, gigantescamente cortês, impiedosa e apaixonada
cruel no silêncio
meticulosa no planejamento e na ação
incapaz de se permitir errar, mesmo que isso seja humano!
fabricando uma lógica baseada na zona, na mentira, na lama
lutando contra esse sentimento constante
de ir a nenhum lugar
já não basta a cama, os sonhos, todos os livros lidos
as viagens de trabalho ou simples turismo
o ato de sumir sumiu
é chegada a hora de olhar meu filho crescer
e eu, meus eus, seguiremos esse caminho que se eterniza enquanto vivemos
participar
estimular
dividir e multiplicar
não temer jamais que ele cresça e pergunte coisas difíceis
filhos são o reflexo do que fomos, sem dúvida reflexos
que devem ser melhorados, amados, beijados e abraçados
qual é o limite maior do que o amor incondicional?
explicar com amor o que é errado é lindo
é maravilhoso e árduo
instinto ferino que nos cabe desde sempre
sobreviver dentro da existência pequena que nos fazem crer
falsos pastores, políticos de carreira, corruptores
que é pequena a existência
que sempre existe algo a mais
nesse sentimento constante
de ir a nenhum lugar

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